COMO A POLÍTICA EXTERNA AMERICANA EMPODEROU OS COMUNISTAS NO IRAQUE

Luã Reis – A eleição iraquiana teve como vencedor o nacionalista Muqtada Al Sadr, clérigo xiita nacionalista que liderou uma força de resistência à invasão americana do país em 2003. Apesar de fortemente religioso, Sadr lidera uma coligação baseada no laicismo, que visa solapar todo e qualquer sectarismo no Iraque. Essa bandeira se justifica por ser a primeira eleição no país desde da derrota do ISIS. Para consolidar essa plataforma anti-sectária, laica e civil Sadr buscou um inusitado apoio: o Partido Comunista Iraquiano.

Os comunistas iraquianos, entre idas e vindas, sofreram com Saddam Hussein. A partir de 2003, conseguiram retomar a atuação política, junto à classe trabalhadora pobre e xiita do centro e do sul do país, em cidades como Basra e Bagdá. O Partido Comunista Iraquiano se apresenta como o único não sectário e sem vínculos com outros países – uma ironia, pois os partidos comunistas, e até de esquerda, ao redor do mundo sempre foram acusados de vínculos com Moscou ou Havana. Os comunistas são contrários a influência dos americanos sobre o exército, do Irã sobre os xiitas e do sauditas e turcos sobre os sunitas.

Essa busca pela independência, contra o sectarismo e o apelo à classe trabalhadora são também os pilares de Muqtada al Sadr, daí surgiu a surpreendente união com o nome inusitado de Aliança de Revolucionários para a Reforma, Sairon, na abreviatura em árabe. A Sairon foi a mais votada, seguida pela Aliança Fatah liderada por Hadi al-Amiri, representando as Unidades de Mobilização Popular, poderosa milícia xiita, inspirada no Hezbollah e abertamente apoiada pelo Irã. Apenas em terceiro lugar aparece o atual primeiro-ministro Al Abadi, raro político que conta com apoio dos EUA e do Irã. 

Há uma certa herança paradoxal de Saddam, o nacionalismo iraquiano, que é laico como o sírio e o egípcio, mas com um forte elemento xiita, como o Irã. O equilíbrio dessas forças moldam a nação iraquiana, em sua busca por autonomia em uma região em ebulição. A invasão dos EUA e os laços culturais e religiosos com o Irã, que por vezes se confundem com submissão, estimulam esse nacionalismo como uma forma de resistência. Nesse movimento de resistir atuou a Sairon. 

Atenta a esse movimento, a Arábia Saudita investiu e apoiou Sadr, incluindo uma visita do príncipe Mohammed Bin Salman ao Iraque, e visitas de Sadr a Riad e a Dubai. Bin Salman evidente estava interessado que o futuro político do Iraque se distanciasse do Irã. No entanto, foi Donald Trump que estragou os planos sauditas ao transferir a embaixada americana em Israel para Jerusalém. Sadr se mostrou indignado, talvez o mais enfático entre os líderes árabes, enquanto o governo iraquiano foi mais discreto na condenação, para não citar o silêncio cúmplice do países do Golfo, comandados pelos sauditas. A relação entre o príncipe saudita e o clérigo xiita esfriou. 

Esse movimento abriu caminho para as forças iraquianas contrárias a presença americana na região, alinhadas com o clamor popular pelo fim do sectarismo, pelo fim da influência externa e pelo justo investimento dos lucros do petróleo na infraestrutura do país. O caminho aberto para Sadr e os comunistas, junto com as outras forças seculares. A vitória da aliança já foi vista como “problemática” por ex-embaixador americano, no combate a corrupção que prometem investigar e rever contratos feitos com os EUA. Membros da aliança se recusaram a se encontrar com autoridades americanas, informou o LA Times. 

Dentro do complexo sistema político iraquiano, difícil saber como será feita a divisão do poder mas os comunistas ganharam um protagonismo inédito, como há muito não se via na região. Entre os resultados já definitivos estão as deputadas comunistas eleitas: a professora Suhad al-Khatib, eleita em Najaf, cidade sagrada para os xiitas e Haifa al-Amin eleita em Dhi Qar. 

O líder do PCI, Raid Jahed Fahmi, em entrevista ao Middle East Eye declarou, rememorando os 200 anos de nascimento de Marx, declarou: “Nas nossas políticas, nós usamos, em termos de analisar a sociedade iraquiana, para analisar nossas prioridades, em determinar a natureza da contradição – nós não podemos analisar de forma adequada sem usar a ferramentas marxianas”.

Teoria e prática: as ações políticas inconsequentes tem necessariamente resultados imprevisíveis. A destruição do Iraque promovida por Bush jogou o país no colo dos iranianos. A ação de Trump em Israel agora empodera um líder nacionalista, comunistas e esquerdistas.

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