A VENEZUELA ISOLADA E A (NEM TÃO) NOVA POLÍTICA DE AGRESSÃO DOS EUA

Gabriel Barata – A América Latina está próxima de testemunhar a primeira grande agressão militar dos Estados Unidos a um país da região. As movimentações militares nas fronteiras com a Colômbia e o Brasil e em Curaçao não poderiam ser mais claras. A Venezuela vai sofrer uma invasão militar de tropas estrangeiras sob o comando das Forças Armadas dos EUA.  Mas, mesmo diante de mais uma tentativa de desestabilização de um governo popular na América Latina, por que a esquerda organizada demora a levantar e se colocar ao lado da Venezuela e contra os interesses imperialistas norte-americanos? Por que parte da esquerda institucional enche a boca para dizer que a Venezuela é uma ditadura, mas ignora a fala do vice-presidente dos EUA Mike Pence dizendo que “não é hora para diálogo, é hora de ação”?
Em janeiro desse ano, antes de um pronunciamento de John Bolton, Conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, repórteres flagraram uma anotação que dizia “5 mil soldados para a Colômbia”. Algo que não foi negado pelo presidente dos Estados Unidos Donald Trump durante uma reunião bilateral na Casa Branca com Iván Duque, mandatário da Colômbia, na semana passada. Atualmente, esse é o tom das declarações do governo dos EUA quando o assunto é a Venezuela: deboche. Não que haja deboche maior do que a nomeação de Elliot Abrams como Enviado Especial para a Venezuela pelo governo Trump. Abrams é mais conhecido pelo apoio a grupos militares em El Salvador que participaram de um massacre no vilarejo de El Mozote que deixou mais de 800 mortos. O papel de Abrams, além de interlocução para financiamento e treinamento desse grupo militar, foi tentar ocultar o massacre. 

A atuação de Eliott Abrams também é reconhecida pelo apoio à ditadura de Efraín Ríos Montt na Guatemal e pela venda ilegal de armas para o Irã para financiar as milícias de direita na Nicarágua que queriam derrubar o governo da Frente Sandinista (o que também pode ser chamado de lavagem de dinheiro). Até mesmo durante sua sabatina ao Congresso Americano, Abrams foi desmoralizado pelo papel que desempenhou e desempenha em favor do imperialismo dos EUA.

Mas, apesar da teatral sabatina, Eliott Abrams já atua para desestabilizar o governo de Nicolás Maduro. Desde a sua nomeação, não demorou que aviões militares dos EUA pousassem na América Latina com supostas ajudas humanitárias que deveriam ser levadas pelas fronteiras da Colômbia e do Brasil com a Venezuela. Por acaso, foi através de falsas ajudas humanitárias que Abrams entregou armas para as milícias de direita na Nicarágua durante a década de 80.  Então por que a esquerda latino-americana, desde Mujica até Haddad, se importa apenas em destacar que a Venezuela é um país em que as instituições e a Constituição já não funcionam mais plenamente ao invés de questionarem os motivos disso estar acontecendo? Por que insistem em uma espécie de pedido por autocrítica do governo Maduro (assim como fizeram durante a eleição presidencial brasileira com o Partido dos Trabalhadores)?

Está claro que existe um plano de ação definido desde 2013, a partir da morte de Hugo Chávez, para uma mudança de regime na Venezuela. Os Estados Unidos hoje têm acesso a quase todas as grandes reservas de petróleo do mundo, mas querem a maior reserva delas todas, que fica em território venezuelano. E o até pouco tempo desconhecido Juan Guaidó, que entre suas soluções econômicas busca um empréstimo de mais U$60 bilhões do FMI, não é o primeiro nome apoiado pelos EUA para liderar a oposição venezuelana. Primeiro apoiaram Henrique Capriles (hoje investigado por corrupção envolvendo a Odebrecht) nas eleições antecipadas pelo chavismo depois da morte de Hugo Chavez. Perderam. Depois Leopoldo López, fundador do partido Vontade Popular, o mesmo de Juan Guaidó, e que liderou os protestos chamados de “guarimbas” que, entre 2014 e 2017, deixaram centenas de mortos na Venezuela, a grande maioria de chavistas. Fracassaram novamente, Leopoldo López e outros líderes da oposição foram presos por receberem quase U$50 milhões das organizações USAid e National Endowment for Democracy, ligadas ao governo dos EUA, para incitar as revoltas e o chavismo seguiu no poder.
              

Isso sem falar na tentativa da criação de um mito chamado Óscar Pérez, um ex-piloto que sequestrou um helicóptero em 2017 e lançou quatro granadas contra prédios do governo. Pérez era um homem branco, de olhos claros. Um tipo que comove o Ocidente racista e subalterno. Mesmo depois do atentado terrorista de 2017, Pérez manteve uma conta no Instagram (rede social que pertence ao Facebook, empresa que esteve envolvida em escândalos de vendas de dados de usuários para manipulação eleitoral nos EUA e no Brasil) onde divulgava livremente mensagens golpistas e de incentivo ao terrorismo e outras ações contra a segurança nacional venezuelana. Pérez foi morto em uma operação policial ano passado, que foi transmitida pelo Instagram, e tentaram fazer dele um mártir.  E o terrorismo seguiu. Maduro foi alvo de uma tentativa de assassinato com drones em um ato militar em agosto de 2018. A mídia internacional tratou o caso como uma armação do governo Maduro e recusou-se a chamar o ato de terrorismo.

Então o que cobram do chavismo? Por que insistem em desqualificar as capacidades de Nicolás Maduro como governante? Agora que Hugo Chávez morreu, a esquerda institucional tem mais facilidade para reconhecer as transformações sociais promovidas por ele. Reconhecem a grandiosidade do programa das Missões, que o governo Chávez fez o maior investimento social da história da Venezuela desde a sua fundação. Mas de que adianta reconhecer Chávez e abandonar Maduro? Até aqui, os erros de Maduro foram na política econômica. E ele mesmo admite isso. Um erro por ainda não ter conseguido vencer o câmbio pirata que cria um caos financeiro na Venezuela. Sites hospedados nos EUA que especulam câmbios baseados em nada e fazem com que os preços disparem nos mercados.

As críticas sobre a falta de diversificação da economia venezuelana também não fazem sentido. Não são culpa de Maduro. Quando Chávez assumiu o poder, os preços do barril do petróleo subiram e ele fez uma escolha entre tirar o povo venezuelano da fome e mudar as matrizes econômicas do país. Escolheu a primeira. Pouco antes de sua morte, Chávez começou a investir nessa diversificação, que deveria ser levada adiante por Maduro. Mas com a queda abrupta do preço do barril de petróleo, graças a uma ação orquestrada pela Arábia Saudita e pelos EUA e sem a aprovação da OPEP, a Venezuela não conseguiu avançar com o projeto e viu sua economia encolher ainda mais. Assim como Rússia, Irã e Brasil, países, à época, não  alinhados aos interesses dos EUA.

Politicamente, o governo de Nicolás Maduro acumula acertos. Desde a convocação da Assembleia Constituinte, que esvaziou uma Assembleia Nacional tão podre quanto à presidida por Eduardo Cunha no Brasil, até a antecipação das eleições presidenciais para 2018, que legitimaram, através de uma presença de votantes muito parecida com a das eleições entre Maduro e Capriles em 2013, o governo chavista no poder mesmo diante de todos os ataques. Também fortaleceu suas relações com a Rússia e com a China logo após as sanções econômicas impostas pelos EUA e pela União Europeia que não impedem apenas a Venezuela de renegociar suas dívidas, mas também de comprar medicamentos e de importar alimentos para a população.

E foi desse fortalecimento de laços com a Rússia e a China que veio a jogada mais ousada de Maduro. É claro que as mobilizações militares das Forças Armas Bolivarianas incomodam os EUA e a União Europeia. Para eles, Maduro deve se comportar como sempre foram as colônias da região. Como objetos de exploração e enriquecimento das nações mais poderosas. Mas a grande medida tomada por Maduro é a forma de negociação do petróleo venezuelano. Apoiado pela Rússia, que também quer acabar com as transações feitas em dólar por instituições russas, a Venezuela primeiro criou uma criptomoeda, o Petro, para substituir a moeda norte-americana. Depois anunciou que vai passar a negociar o petróleo também em ouro, como deseja a Rússia. Por isso, esse ano, os EUA anunciaram novas sanções contra a Venezuela que congelaram ativos da PDVSA em instituições americanas e o Banco da Inglaterra negou acesso do governo venezuelano a suas reservas de ouro que valem mais de U$1 bilhão. O imperialismo abertamente rouba as riquezas da Venezuela e culpa o governo Maduro pela crise econômica.

Só que mesmo com as reservas de ouro venezuelanas sendo umas das maiores do mundo, o grande temor dos EUA é que o petróleo passe a ser negociado em yuan. Os americanos sabem que o fim da hegemonia do dólar é o fim da hegemonia dos EUA no mundo. E a Venezuela sabe que precisa do fim dessa hegemonia para continuar livre e soberana. Por isso, cedo ou tarde, vai passar a negociar seu petróleo em yuan.

Nicolás Maduro está em uma encruzilhada. A substituição do dólar nas transações financeiras foram um dos fatores responsáveis pela intervenção militar dos EUA contra a Líbia de Muammar al-Kaddafi. Mas a Venezuela de Maduro representa um papel ainda mais perigoso. Esse ano assume a presidência da OPEP e poderia liderar um movimento de substituição do dólar em grande escala que poderia acelerar, e muito, a desintegração da economia dos EUA. E os Estados Unidos não vão correr esse risco. Por isso já é possível afirmar: a Venezuela vai ser invadida. Mas Maduro não pode mais voltar atrás. Então mobiliza suas tropas.

Vergonhosamente para os povos de Brasil e Colômbia, a invasão deve ter apoio dos governos dos dois países. As duas nações já mobilizam seus exércitos nas fronteiras com a Venezuela e estiveram entre as primeiras a se manifestarem a favor de Guaidó quando ele se autoproclamou presidente-interino da Venezuela, cargo que não está na Constituição do país, depois de uma ligação de Mike Pence, vice-presidente dos EUA, um dia antes. Enquanto o imperialismo repete as ações do Iraque, Afeganistão e Líbia na Venezuela e amplia seu quintal, os países latino-americanos aliados dos EUA deixam de serem cachorros e viram porcos. Que rolam em uma lama que nem é nossa. Com a guerra iminente, existem dois lados para os vizinhos da Venezuela. O lado do Grupo de Lima e dos que sempre nos colonizaram e o lado da defesa intransigente da soberania popular e da livre autodeterminação dos povos. É preciso escolher logo. Ou a História passa.

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