Putin e a Rússia são os maiores símbolos da luta anti-imperialista atual

Por Gabriel Barata

Essa semana, o mundo acordou com a notícia da Agência Reuters de que dois aviões da Força Aérea Russa aterrissaram em Caracas, capital da Venezuela. De acordo com fontes da notícia, um dos aviões transportava um oficial russo e quase 100 tropas. Embora nem o governo venezuelano, nem os porta-vozes russos tenham respondido às perguntas sobre os fatos apresentados na reportagem, se confirmada a informação, é mais um exemplo da corajosa política externa russa.

É claro que a Rússia é um país cheio de contradições. As políticas em relação aos homossexuais são abomináveis. Em 2017, Vladimir Putin sancionou uma lei que despenalizou a violência doméstica no país. A influência da Igreja Ortodoxa Russa na sociedade é cada vez maior. Mas qual é o papel que a Rússia desempenha na geopolítica internacional? A atuação russa é melhor ou pior para os grupos que lutam pelos direitos das mulheres, dos homossexuais e dos trabalhadores? A Rússia se posiciona ao lado dos progressistas e democratas ou dos conservadores e neoliberais?

Putin e a Rússia são alvos frequentes da mídia hegemônica porque, em quase todas as ocasiões, se posicionam contra as ingerências imperialistas da União Europeia e dos Five Eyes (organização que reúne os serviços de espionagem norte-americanos, do Canadá, do Reino Unido, da Austrália e da Nova Zelândia, sob a coordenação da famosa NSA). Mas ainda assim, a esquerda internacional escolhe acreditar nas mentiras que preenchem os sites de notícia ao redor do mundo.

A esquerda internacional evoca um saudosismo barato através de uma adoração burra do Partido Comunista da Federação Russa (PCFR), que está cada vez mais ligado à Igreja Ortodoxa Russa e ao nacionalismo. Líder do PCFR desde 1993, Guenadi Zyuganov, à época da ridícula performance do Pussy Riot na Catedral Cristo Salvador, em Moscou, declarou: “Em minha opinião, há um ataque violento contra o cristianismo. No final das contas, a civilização europeia está baseada no Sermão da Montanha”. Uma declaração que lembra pouco o marxismo-leninismo que fundou as bases da União Soviética e parece mais com a fala de um líder do partido Rússia Unida, o mesmo de Putin. O próprio candidato do Partido Comunista nas eleições presidenciais de 2018, Pavel Golovkin, afirmou durante a campanha que era um admirador de Putin.

Enquanto a esquerda internacional crê em um PCFR revolucionário e combativo, não percebe que há um acordo tácito entre as principais instituições russas. Nacionalistas, comunistas e cristãos-ortodoxos evitam criticar os grandes personagens da história da Rússia. Não é à toa uma pesquisa realizada em 2017 pelo Levada Center constatou que, para os russos, estão entre as cinco figuras mais notáveis da história do país Josef Stalin (1º), Vladimir Putin (2º) e Pedro, o Grande, (5º). Um líder comunista revolucionário, um nacionalista e um czarista, respectivamente. Há um consenso entre essas forças sociais e políticas de que um ataque a qualquer uma dessas linhas da história russa pode contribuir para o que chamam no país de “russofobia” e desestabilizar as bases do Estado, abrindo fissuras que permitem o surgimento das Revoluções Coloridas. No dia 5 de março desse ano, por exemplo, no aniversário de morte de Stalin, foram presos dois anticomunistas que insultaram e xingaram o líder soviético em frente ao seu túmulo, durante a tradicional entrega de rosas vermelhas que é feita todos os anos por seus admiradores, desde 1953.

Não há na Rússia uma condição pré-revolucionária que a classe trabalhadora possa aproveitar para tomar o poder. Putin e seu governo não são uma força contrarrevolucionária que impede o Partido Comunista de alcançar a vitória. O PCFR costuma se posicionar a favor de Putin nas principais votações do país, como na anexação da Crimeia, em 2014, e faz oposição interna a medidas econômicas conservadoras. Quando parte da esquerda internacional ignora isso, demonstra não conhecer a sociedade russa e aparenta ter ideias baseadas em um eurocentrismo que costuma justificar intervenções imperialistas.

A ameaça está mais próxima do que muitos pensam. E Putin sabe disso. A Rússia sabe que uma guerra imperialista, de forma acelerada, se materializa. Depois de anos de pressão da OTAN, antes sob influência de Hillary Clinton, as tentativas de ligar a Rússia a uma intervenção na campanha de Donald Trump, em 2016, levaram as relações com os EUA a um dos níveis mais críticos desde a Guerra Fria. Em junho de 2018, a OTAN aprovou em Bruxelas, na Bélgica, que além da continuação dos exercícios militares com armas nucleares realizados perto da fronteira russa, a organização seguirá trabalhando para que tenha capacidade de, em 30 dias, deslocar 300 batalhões, 30 esquadrões de aeronaves e 30 navios de guerra para o país em caso de conflito.

A guerra de contra inteligência já começou. Em conversa recente com veteranos do Serviço Secreto Federal, Putin afirmou que foram interceptados 594 espiões atuando na Rússia para conseguir informações políticas, econômicas e de tecnologia. Os ciberataques também já são uma realidade. Em fevereiro desse ano, o porta-voz do Kremlin Dmitry Peskov  disse que “diversas entidades e indivíduos russos são, constantemente, submetidos a um grande número de ciberataques realizados a partir de solo americano”. Poucos dias antes, Putin já havia dito, em conversa com a imprensa, que a Rússia poderia ser isolada da internet de alcance global, como mais uma forma de pressão imposta por Washington.

A Rússia já trabalha para aumentar sua soberania na internet. Recentemente foi aprovado em primeira votação no parlamento russo, um projeto de lei que propõe a redução da quantidade de dados de usuários russos transferidos para outros países e que os servidores consigam rastrear o tráfico de dados realizado. A Rússia, que abriga Edward Snowden, ex-funcionário da CIA e da NSA, se protege da espionagem imperialista. Mas não faz isso com mais espionagem. Faz isso através da lei.

Infelizmente, a Rússia de Putin se acostumou com as agressões dos EUA, da UE e de seus aliados nos últimos anos. As seguidas sanções econômicas impostas ao país pelas potências imperialistas levaram o país a uma inevitável crise. Putin, pela vastidão territorial russa, pela força da economia dentro e fora da Rússia e pela capacidade militar que possui, poderia ter escolhido atuar de forma autoritária com os países sob sua zona de influência. Mas o presidente da Rússia desde 2012 escolheu outro caminho. Escolheu a cooperação com os países que buscam, assim como o país fundador da URSS, um desenvolvimento econômico e social soberano e independente, longe das garras do imperialismo norte-americano, como, por exemplo, através da formação de organismos multilaterais como a União Econômica Euroasiática.

Putin teve papel fundamental no fortalecimento dos BRICS, foi seu governo que elevou as relações entre Rússia e China a um nível que não se via desde que a União Soviética e a China socialista eram governadas por Stalin e Mao Tsé-Tung, respectivamente. Putin foi o primeiro presidente de uma grande potência a agir realmente contra o Estado Islâmico. Enquanto EUA, França e Arábia Saudita financiavam grupos ligados aos terroristas para derrubar Bashar Al-Assad, na Síria, Putin não hesitou em enviar, em 2015, tropas para lutar ao lado do Exército da Síria. Os ataques aéreos e o sistema de defesa russo foram fundamentais para a vitória completa sob o Estado Islâmico ainda no ano passado.

Um ano antes, quando os fascistas deram um golpe na Ucrânia e iniciaram uma campanha russofóbica em um país etnicamente russo, Putin prontamente reconheceu o referendo realizado pela população da Crimeia para que a região autônoma fosse anexada à Rússia. Claro que o presidente russo tinha a intenção de proteger a frota marítima que fica na região, mas Putin tinha uma clara missão de proteger os cidadãos russos da violência fascista da extrema-direita ucraniana (que agora celebra anualmente o aniversário de Stepan Bandeira, assassino e traidor que lutou ao lado dos nazistas na 2ª Guerra Mundial).

Atualmente, é o governo russo que se posiciona na linha de frente para proteger a Venezuela das agressões imperialistas norte-americanas. A Rússia realiza exercícios militares com o exército venezuelano desde que a retórica de Trump contra o governo Maduro aumentou. São os russos que incentivam que a Venezuela passe a usar suas ricas minas de ouro para aumentar suas reservas e que não faça as negociações do seu petróleo com o dólar. Hoje a Venezuela negocia com ouro ou com yuan, já que o crescente déficit fiscal e cambial dos EUA indicam uma inevitável derrocada do dólar (a guerra cambial entre China e Estados Unidos é sobre isso, afinal. Sobre a substituição do dólar pelo yuan como principal moeda do mundo).

Desde a primeira eleição de Putin, há um plano estratégico pelos “gigantes nacionais”, a exemplo do que fez a China e do que queria José Dirceu no Brasil (embora parte da esquerda tenha calafrios com esse nome, porque ainda acredita que houve justiça na condenação política de um dos maiores líderes populares brasileiros). E são as grandes empresas nacionais russas que impedem que o caos econômico na Venezuela seja ainda maior. O escritório internacional da PDVSA, estatal venezuelana, está sendo transferido de Lisboa, Portugal, para a Rússia a fim de driblar as sanções impostas pelos EUA. Com isso, as negociações com as instituições russas não são afetadas. No início de março a Rosfnet, empresa sediada em Moscou, enviou dois navios com um milhão de barris de nafta pesado que vão permitir que a PDVSA volte a extrair petróleo em níveis normais, já que as sanções limitaram o acesso venezuelano ao produto. Uma clara tentativa dos EUA de sufocar ainda mais a economia da Venezuela. Diferentemente das multinacionais dos países imperialistas, em que os presidentes das empresas fazem reuniões secretas com membros do governo para explorar outros países, as empresas nacionais russas fazem parte de uma política de Estado. Elas atuam, principalmente, nas economias não alinhadas aos EUA de uma forma que fortalecem também a integração política desses países com a Rússia. O processo de desenvolvimento russo como potência busca sempre respeitar a soberania das outras nações.

A esquerda deve entender logo o papel que a Rússia liderada por Putin tem na geopolítica. Foi a Rússia que derrotou o Estado Islâmico, que avisou sobre a falsa ajuda humanitária à Venezuela, sobre o ataque ao sistema elétrico que tentou agravar ainda mais a crise do governo Maduro. Apenas Putin questionou em alto e bom som: “quem deu o direito aos EUA mataram Kadafi?”. Até sobre o real significado das Jornadas de Junho no Brasil, o governo de Putin informou aos petistas. A esquerda internacional, que gosta de se pensar tão revolucionária, mas passa por um período de inacreditável crença na institucionalidade burguesa dos países imperialistas deveria relembrar como agiram os grandes revolucionários comunistas. Mao Tsé-Tung lutou ao lado de Chiang Kai-shek para derrotar o Império japonês, Stalin se aliou a Winston Churchill para vencer Hitler e o nazismo. O que faremos em nosso tempo, quando as agressões contra a Rússia podem fazer com que o decadente Império norte-americano ganhe uma sobrevida? A sobrevivência de um Império capenga pode fazer com que o planeta passe por anos sombrios de autoritarismo e ultra-exploração. É preciso que a esquerda internacional se decida. Vai se posicionar pelo imperialismo ou contra ele? Putin e a Rússia já decidiram de que lado estão.

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