QUESTIONADO SOBRE A PRISÃO DE ASSANGE, CHOMSKY DÁ UMA AULA DE GEOPOLÍTICA E LUTA DE CLASSES

Questionado sobre sua opinião a respeito da prisão do jornalista Assange, o mundialmente renomado filósofo e analista político, Noam Chomsky, deu uma verdadeira aula de geopolítica e luta de classes. Citou a fala dos promotores italianos fascistas de Mussolini que condenaram Gramsci à prisão: “Temos que silenciar essa voz por 20 anos!”. Chomsky também comparou a prisão de Assange com a prisão política de Lula no Brasil: “Ele [Lula] é o prisioneiro político mais importante do mundo. Observe o que aconteceu, houve um golpe para eliminar o PT, este descrito pelo Banco Mundial – veja bem, não por mim, mas pelo Banco Mundial – como o responsável pela “década de ouro” da história do Brasil”. A prisão de Assange é um exemplo da Guerra Híbrida imperialista em pleno desenvolvimento em quase todo continente americano, como na Venezuela, no Equador, na Argentina, em Honduras, na Nicarágua, em Cuba e no Brasil. Assim como também ao redor do mundo, por exemplo na Síria, Ucrânia, no Irã, na República Popular da Coreia e muitos outros lugares onde o imperialismo sente a necessidade de levar um “pouco de democracia”. Leia e surpreenda-se com a riqueza da resposta de Chomsky abaixo.    

“Bem, a prisão de Assange é escandalosa em vários aspectos. Um deles é  o esforço dos governos – e não é apenas o governo dos EUA. Os britânicos estão cooperando. O Equador, claro, agora está cooperando. A Suécia, antes, havia cooperado. São os esforços para silenciar um jornalista que estava produzindo materiais que as pessoas no poder não queriam que a multidão patife conhecesse, isso foi basicamente o que aconteceu. O WikiLeaks estava produzindo coisas que as pessoas deveriam saber sobre quem estava no poder. As pessoas no poder não gostam disso, por isso temos que silenciá-lo. Certo? Esse é o tipo de coisa, o tipo de escândalo, que acontece, infelizmente, de novo e de novo.

Para dar outro exemplo, bem ao lado do Equador, no Brasil. Este é o país mais importante da América Latina, um dos mais importantes do mundo. Sob o governo Lula, no início deste milênio, o Brasil foi o mais – talvez o país mais respeitado do mundo. Foi a voz do Sul Global sob a liderança de Lula da Silva. Observe o que aconteceu. Houve um golpe, por meio do soft power, para eliminar os efeitos “nefastos” do partido trabalhista, o PT. Este descrito pelo Banco Mundial – veja bem, não eu, o Banco Mundial – como o responsável pela “década de ouro” da história do Brasil, com a redução radical da pobreza, extensão maciça da inclusão de populações marginalizadas, grande parte da população – afro-brasileira, indígenas – que foram trazidos para a sociedade, um senso de dignidade e esperança para a população. Isso não poderia ser tolerado pela elite no poder.

Depois de Lula – depois que ele deixou o cargo, uma espécie de golpe aconteceu – não vou passar pelos detalhes, mas o último movimento, em setembro passado, foi levar Lula da Silva, o líder, a figura mais popular no Brasil, que quase certamente venceria a próxima eleição, colocá-lo na prisão. Isso, a fim de silenciar a pessoa que provavelmente venceria a eleição. Ele é o prisioneiro político mais importante do mundo. Você ouve alguma coisa sobre isso?

Bem, Assange é um caso similar: temos que silenciar essa voz. Você volta para a história. Alguns de vocês podem se lembrar de quando o governo fascista de Mussolini colocou Antonio Gramsci na cadeia. O promotor disse: “Temos que silenciar essa voz por 20 anos. Não pode deixar falar. Isso é Assange. Esse é o Lula. Existem outros casos. Esse é um escândalo.

Mas por que os Estados Unidos têm o poder de controlar o que os outros estão fazendo em outras partes do mundo? Quero dizer, é uma situação estranha. Isso acontece o tempo todo. Nós nunca percebemos isso. Pelo menos não há comentários sobre isso.

Tipo, pegue os acordos comerciais com a China. Certo? Quais são os acordos comerciais? Eles são um esforço para impedir o desenvolvimento econômico da China. É exatamente o que eles são. Agora, a China tem um modelo de desenvolvimento. A administração de Trump não gosta disso. Então, portanto, vamos prejudicá-lo. Pergunte a si mesmo: o que aconteceria se a China não observasse as regras que os Estados Unidos estão tentando impor? A China, por exemplo, quando a Boeing ou a Microsoft, outra grande empresa, investe na China, a China quer ter algum controle sobre a natureza do investimento. Eles querem algum grau de transferência de tecnologia. Eles devem ganhar algo da tecnologia. Há algo de errado com isso? Foi assim que os Estados Unidos desenvolveram, roubando – o que chamamos de roubo – tecnologia da Inglaterra. Foi assim que a Inglaterra se desenvolveu, levando a tecnologia de países mais avançados – a Índia, os Países Baixos e até a Irlanda. É assim que todo país desenvolvido atingiu o estágio de desenvolvimento avançado. Se a Boeing e a Microsoft não gostarem desses acordos, eles não precisam investir na China. Ninguém tem uma arma na cabeça. Se alguém realmente acreditasse no capitalismo, deveria estar livre para fazer qualquer acordo que desejasse com a China. Se envolve transferência de tecnologia, ok. Os Estados Unidos querem bloquear isso, então a China não pode se desenvolver.

Tomemos o que chamamos de direitos de propriedade intelectual, direitos de patente exorbitantes para medicamentos, para o Windows, por exemplo. A Microsoft detém o monopólio dos sistemas operacionais, através da Organização Mundial do Comércio. Suponha que a China queira pensar nisso. Quem se beneficiaria e quem perderia? Bem, o fato é que os consumidores nos Estados Unidos se beneficiaram. Isso significaria que você receberia medicamentos mais baratos. Isso significaria que, quando você pega um computador, não fica preso ao Windows. Você poderia obter um sistema operacional melhor. Bill Gates teria um pouco menos de dinheiro. As corporações farmacêuticas não seriam super-ricas como são, um pouco menos ricas. Mas os consumidores se beneficiariam. Há algo de errado com isso? Existe algum problema com isso?

Bem, você pode se perguntar: o que está por trás de todas essas discussões e negociações? Isto é o cerne da questão. 

Para resolver qualquer problema temos que perguntar, por que isso é assim? No nosso caso, por que é aceitável que os Estados Unidos tenham o poder de impor uma proposta de extraditar alguém que nem é americano e cujo crime é expor as atrocidades e ilegalidades do governo americano e da elite imperialista. Isso é basicamente o que está acontecendo.”

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