O IMPÉRIO CONTRA NÓS, JULIAN ASSANGE

Por Luã Reis

O imperialismo – o conjunto de interesses das classes dominantes dos EUA, da Inglaterra, da França e de outros sócios minoritários contra os povos do mundo, dito resumidamente – é a mais brutal máquina de esmagar pessoas que já existiu. Na defesa do incremento dos lucros não há fronteiras ou muros: na prática há uma ditadura mundial. Uma ditadura que mostra os dentes rindo ao massacrar civis no Iraque ou fuzilando famílias no Rio de Janeiro.

Essa ditadura se disfarça alegando o caráter democrático dos países submetidos a ela, graças às “liberdades”. Entre elas, a liberdade de expressão é apontada com um dos pilares dessa democracia. No entanto, essa expressão só é livre se não expor, denunciar, apontar e, assim, ameaçar a natureza criminosa do imperialismo pelo mundo. Eis a prisão de Assange.

Uma calúnia impossível sobre o Wikileaks: a produção de fakenews. A plataforma de Assange jamais publicou nada falso. Ao contrário. Foi vítima de uma campanha de mentiras por parte da imprensa comercial, que na prática são porta-vozes formais do império. Por aqueles mesmos jornais que publicaram e divulgaram as mentiras que levaram a guerra de aniquilação do Iraque. Guerra que o Wikileaks documentou os massacres.

Ninguém foi punido pelos crimes de guerra cometidos contra o povo do Iraque, os únicos condenados foram aqueles que expuseram esses crimes.

Se Assange tivesse se asilado em algum daqueles países que nos informam ser “não-democráticos” e “sem liberdade”, como Rússia, Cuba, China, Venezuela, Coréia do Norte, Síria ou Irã, estaria livre. Nessas nações há alguma liberdade de resistência ao império. O Equador de Rafael Correa, com a Constituição Cidadã, parecia que se tornaria um desses países, minimamente auto-determinados. O continente americano, no entanto, deve estar plenamente na órbita dos EUA, como declaram, sem constrangimentos os políticos americanos e seus vassalos há séculos. Assim, o Departamento de Justiça dos EUA orquestrou operações jurídicas para perseguir, condenar e prender líderes populares e nacionalistas na América Latina: Lula no Brasil, Kirchner na Argentina, PPK no Peru, Zelaya em Honduras, Correa no Equador.

Esses funcionários coloniais de toga dos EUA não escondem a subserviência: não bastam a estes apenas declarar nos autos a “superioridade” da legislação americana ou trechos de filmes e séries bobas e historinhas em quadrinhos infanto-juvenis, é necessário ir na sede da CIA, beijar a mão dos chefes. Relação que o Wikileaks de Assange expôs.

Essa conspiração contra os povos pobres do mundo é prática, não uma teoria, o Wikileaks ajudou a demonstrar. A participação dos EUA no golpe militar em 1964, os experimentos com a infecção de centenas de milhares de guatemaltecos, por parte da CIA, com sífilis e gonorreia ou o ataque de bandeira falsa no Golfo de Tolkin, quando os americanos afundaram uma própria embarcação para justificar ir à guerra contra o povo do Vietnã. Exemplos de casos considerados “falsos” e “conspirações”, que, no entanto, com a revelação de documentos, décadas depois, se mostraram reais.

O Wikileaks desvelava a verdade durante o curso dos acontecimentos. A história se fez presente. A realidade dos massacres no Iraque ou a espionagem contra o Brasil não ficaram refugiados no futuro, quando o tempo trataria de diluir o peso dessas ações. No mesmo impulso do Wikileaks, Edward Snowden revelou que as agências de inteligência dos EUA trabalhavam para materializar a distopia de George Orwell, tornando 1984 um manual de instruções: programas de vigilância de toda a humanidade. Que cada ser humano seja espionado e fichado pelo império mundial.

Aqueles países que resistem a esse gigantesco mecanismo de controle social, protegendo os cidadãos dessa absurda ingerência, são tachados de “ditaduras”, até de “totalitários”. Convém lembrar o caráter do mundo às avessas. A natureza dessa inversão se manifesta também naqueles que se apregoam “contra a intervenção do Estado”, mas se silenciam contra esse monumental ingerência de um Estado estrangeiro contra a população mundial.

Como também se calam Bernie Sanders e as estrelas “socialistas” do Partido Democrata sobre a prisão de Assange. O ensurdecedor silêncio da ala esquerda do Partido Democrata sobre a prisão talvez seja explicado pelas revelações do Wikileaks sobre a participação de Hillary Clinton no patrocínio e organização do ISIS com o objetivo de destruir a Síria e dos “rebeldes” na Líbia, que mataram brutalmente Kadafi, transformando uma nação próspera em um inferno na terra. Ou ainda a divulgação dos e-mails de Clinton que comprovam que a máquina do partido trabalhou para sabotar a candidatura de Sanders. Os “socialistas” democráticos parecem mais comprometidos com o monstruoso aparato do partido, que tantos e tantos crimes cometeu contra os povos diversos do planeta. Antes da justa defesa dos imigrantes é necessário defender que os países de onde se originam não sejam destruídos pelos EUA, através de bombardeios, como a Líbia, ou golpes, como Honduras.

Quando escorraçado da embaixada equatoriana pelos brutamontes da Scotland Yard, Assange exibia o livro “A História do Estado de Segurança Nacional”, escrito pelo lendário jornalista Gore Vidal. Na obra, Vidal discute com o editor Paul Jay “os eventos históricos que levaram ao estabelecimento do complexo industrial-militar e a cultura que deu origem à ‘Presidência Imperialista”. A expressão “complexo industrial-militar” foi criada pelo presidente conservador General Dwight Eisenhower para denunciar o enorme poder das Forças Armadas e da indústria militar, da “defesa”, na política americana. Influência que não se restringe à política dos EUA, dada a extensão global dos interesses americanos e na comunhão entre os objetivos do complexo industrial militar com as petrolíferas, com empresas de mídia etc.

Não há sutileza nessa relação: o Secretário de Estado dos EUA é sócio de petrolífera, o anterior também, antes deste era um militar. É tão evidente quanto a necessidade de inventar mentiras para invadir e despejar bombas em um país com reservas de petróleo ou tão escandaloso quanto um presidente aliado dos EUA viver ao lado de um traficante que mantém 117 fuzis americanos para milícias assassinas dominarem uma cidade. 

Quando em um atentado ainda mal explicado, morreram alguns membros do Charlie Hebdo, jornal satírico e órgão de propaganda da extrema-direita francesa, se organizou uma campanha mundial “Eu sou Charlie”. A opinião pública foi chamada a vestir a carapuça do carrasco supostamente em defesa da liberdade de expressão. Agora somos convocados a nos afastarmos de Assange, com se fosse um caso de polícia, um problema de ordenamento jurídico, e não uma questão social. Um indicativo de endurecimento dos regimes que servem a esse implacável mecanismo de dominação.

A liberdade de expressão de Assange passa a ser a maior expressão da liberdade dos povos do mundo que clamam por libertação. Quem não aceita ser governado pelos funcionários do império deve lutar por essa liberdade. Ou corremos o risco de viver cada vez menos livres, escravos dos interesses daquele 1% que mandam nas políticas imperiais. Quem não serve ao império, é alvo. 

Assange é agente dos povos e é a gente. Somos todos Julian Assange.


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