FAKE NEWS: UMA ARMA DO TERROR?

Por Marcela Leite e Matheus Mendes

No dia 19 de julho, a revista Veja publicou uma entrevista com o suposto líder de um suposto grupo terrorista chamado Sociedade Secreta Silvestre, ou SSS (lembrou da SS nazista, ou da KKK- Ku Klux Klan? Nós também). Esse grupo seria a seção brasileira de um grupo maior, formado por integrantes de diversos países, o ITS (Individualistas que Tendem ao Selvagem) e, além de praticar diversos atos terroristas, estaria ameaçando Jair Bolsonaro e toda a sua família.

É no mínimo curioso que uma revista tão relevante quanto a Veja dedique a capa e tanto espaço interno para um grupo desses, cujas motivações ninguém compreende – nem eles mesmos, como fica claro no site Maldición Eco-Extremista, citado pela Veja, no qual eles dizem ser odiados tanto pela esquerda quanto pela direita, e assumem que praticam o terrorismo pelo terrorismo, sem outras motivações. Então precisamos nos questionar o porquê desse meio de comunicação ter tomado tal atitude, além de observar que discurso é esse que mais uma vez tenta trazer medo aos brasileiros, colocando o presidente Bolsonaro como vítima de ameaças terroristas.

De início, a reportagem já gera estranhamento. Não começa falando da SSS, mas sim de outro caso que nada tem em comum com este – a não ser a ameaça a Bolsonaro -, o caso Adélio. Sim, a Veja usa o caso da facada em Bolsonaro para comprovar para o leitor que o novo caso, da SSS, é verdadeiro. Isso em si já é problemático, uma vez que o caso da facada ainda gera muitas dúvidas e sua veracidade não é tão aceita assim. Partindo então de uma introdução quase literária que retoma Adélio, a revista apresenta o chefe da SSS, Anhangá, que teria conversado com a revista por meio da deep web, contando vários de seus planos terroristas.

Não há um print da conversa, nem uma comprovação de Anhangá. Podemos supor que ele tenha a aparência de um Eco-extremista, seja lá o que isso for, e que gosta tanto de contar seus planos que dá uma entrevista para uma das maiores revistas brasileiras assumindo que deseja matar o presidente. A entrevista também diz que ele é um homem e que tem entre 20 e 30 anos. Contudo, fica claro que o repórter – nem ninguém – ficou cara a cara com Anhangá.

Ao longo da entrevista, são mencionados vários atentados que não ocorreram, mas poderiam ter ocorrido. Todo o medo do terrorismo de Anhangá e seu eco-grupo, portanto, vem de mortes que nunca aconteceram, mas que eles dizem que poderiam ter acontecido. É mencionado um incêndio em um carro que foi filmado pelo grupo. Nesse caso, a SSS teria filmado o carro pegando fogo e depois gravado um outro vídeo assumindo o ato. O vídeo, tal como o site da SSS, não é passível de acesso – talvez na deep web, quem sabe. A entrevista também só afirma que um carro foi incendiado e que o grupo assumiu. Ou seja, a verdade é que não há prova concreta de que o grupo tenha feito o atentado, mas apenas uma afirmação vazia de internet, de um desconhecido que diz que teria meios para realizá-lo segundo, única e exclusivamente, as suas próprias palavras.

Também há uma ameaça ao presidente Bolsonaro, a toda sua família, e a outros membros do governo, que seria uma constante “ameaça iminente”. Anhangá e o repórter conversam sobre a cerimônia de posse, em que o grupo poderia ter matado o presidente se quisesse, mas que não o fez porque não quis. Mais uma vez, não há provas disso, e nada aconteceu, pois eles teriam desistido ao ver que havia muita segurança e muitas pessoas no local. Mas nem tudo são fogo e quase-mortes, o grupo também já assumiu responsabilidade por bombas, uma delas perto do Palácio do Planalto. Além de não ser possível garantir que a bomba foi colocada pelo grupo, ela não explodiu. A reportagem menciona ainda outras bombas, que não se sabe se explodiram, mas que também teriam sido assumidas pelo grupo em seu site.

A reportagem falha em prover uma – que seja, uma! – prova da existência e atuação do grupo. O site citado pela revista, Maldición Eco-extremista, realmente existe, tal como várias informações sobre o grupo ITS; mas acaba por aí. Não há nada concreto no que diz respeito ao líder do SSS; quem dá as informações é um ser que ninguém conhece de fato, Anhangá, sobre um grupo que posta apenas na sua própria página na deep web e que consome o que ele mesmo posta. Talvez a Veja tenha entendido muito bem que, no Brasil, colher provas não é tão importante.

O fato é tão vago que a maior parte das imagens são das pessoas ameaçadas pelo grupo. A única imagem que realmente choca mostra um rapaz segurando uma arma em direção a pessoas inocentes no que parece ser uma… Escola! A imagem é do massacre de Suzano, mais um caso que, como o de Adélio, nada tem com o grupo eco-terrorista SSS. O ponto em comum que a Veja usa para colocar goela abaixo do leitor a imagem do menino com a arma são as conversas da deep web, que vão de terrorismo a massacres em escolas. Nada, além disso, une os casos, o que mostra uma enorme necessidade de colocar ali alguma coisa mais palpável para o leitor. Além disso, a foto do presidente com sua esposa na cerimônia de posse foi cortada – exatamente onde ficam todas as milhares de pessoas e seguranças – de modo que ambos parecem alvos fáceis para o grupo. Em resumo, a notícia é sobre atentados que poderiam ter acontecido, assumidos por um grupo que talvez os tenha feito, cujo suposto líder parece querer ameaçar o presidente da república, de acordo com ele próprio em um chat inacessível  da deep web.

Um leitor chegou a tuitar que essa história se assemelhava às difusões paranoicas e conspiratórias de Carlos Bolsonaro. Quem o acompanha nas redes, sabe que o filho do pai se esmera em levantar suspeitas sobre ameaças iminentes ao presidente sem nunca apresentar fatos ou indicativos mais sérios. Recentemente, em tentativa de desmoralizar Glenn Greenwald, o editor-chefe do Intercept, Carlos divulgou um não-evento conspiratório denominado de pavão misterioso. Em outros comentários de internet já levantou suspeitas sobre assessores do pai, como no caso Bebianno, e, mais recentemente, sugerindo que o chefe da segurança institucional da presidência, o general Heleno, trabalhava, subterraneamente, contra a segurança institucional da presidência.

Nada disso prosperou em fatos, senão as próprias história conspiratórias, jamais reveladas, porém propagadas. Em outras palavras, o que os fatos deixam evidente é que, das ameaças conspiratórias de internet, o evento que se consuma não é o conteúdo da ameaça, mas a própria ameaça vazia, num ato de veiculação da propaganda da ameaça, sem importar a pessoa ou coisa ameaçada, uma vez que, não se realizando, a ameaça não se mostra real enquanto algo além da mera ameaça.

A propaganda de terror sempre foi um aspecto sensível do terrorismo, uma vez que, antes de mais nada, as ações terroristas são essencialmente midiáticas, visando arregimentar simpatizantes para sua causa pela demonstração de força de sua ameaça, difundindo assim um medo paranoico constante. Foi assim no terrorismo estatal de Hitler e é assim no terrorismo paraestatal do Estado Islâmico. Grupos terroristas reais como a Al-Quaeda certamente não ficam apenas na retórica, mas quem costuma bem utilizar a retórica do medo são os grupos políticos de direita mais extremados e conservadores, que se aproveitam do medo, inclusive divulgando-o, a fim de justificar suas ações mortais, como no exemplo da guerra do Afeganistão, protagonizada pelos EUA, ou na política de extermínio do povo palestino, na qual políticos de direita de Israel utilizam o pretenso combate ao terror como moeda de troca eleitoral, fazendo crer que a única solução dos conflitos é a supressão brutal dos direitos sociais e individuais do povo em prol de uma máquina de guerra e segurança capaz de prover a vida que ela mesmo ceifa (do outro lado do muro ou checkpoint).

Seja como for, a fake news dessa Veja não se trata de simples boato, como numa notícia imprecisa em que se divulga um dado equivocado porque o jornalista não se atentou a sua verificação. Mas fake news aqui é exatamente o oposto: uma não-notícia inteiramente falsa, posto que não guarda relação com a realidade, e que no entanto é propagada em tons paranoicos, inspirando sentimentos lúdicos que entretêm e distanciam o leitor do bom senso e da prova real dos fatos. Ora, a quem interessa a propagação destas não-notícias? Quem sai ganhando com a veiculação da falsidade?

Dado o histórico da revista Veja, não se espera dela grandes análises, provas irrefutáveis ou um discurso tão bem feito. Contudo, é inaceitável que, com o intuito de causar pânico, ela coloque “terrorismo” na capa e nessa grande reportagem, onde não se encontra nenhum fato, mas apenas ameaças vazias, contadas a um meio de comunicação por um suposto eco-terrorista de um eco-grupo que assume responsabilidade, em seu eco-site, por eco-bombas que não explodem. Uma entrevista feita na deep web, com um talvez-homem chamado Anhangá? Essa é a ameaça terrorista ao presidente? Com menções a Adélio e ao massacre de Suzano? O jornalismo, dessa vez, conseguiu se superar para pior. Falhou com todos os princípios éticos envolvidos na profissão. Não deveríamos ter medo de Anhangá. Devemos temer esse tipo de mídia, pois se houver, em breve, um pavor do eco-terrorismo, é porque esse tipo de jornalismo inescrupuloso terá contribuído massivamente para tal sentimento. 

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