DIVIDIR PARA CONQUISTAR – A VELHA PRÁTICA DO IMPERIALISMO

Por Gabriel Barata

A China está prestes a se consolidar como a maior potência mundial, posto que perdeu na Guerra do Ópio, promovida pela Inglaterra no século XIX. A Rússia, aos poucos, recupera seu poderio militar e já não precisa assistir de braços cruzados as agressões imperialistas em todo o mundo. E o que se vê nos noticiários? Que a China escraviza seus trabalhadores e possui campos de concentração. Ou que a Rússia é governada por um autocrata que assassina seus opositores. É sempre a mesma coisa. Praticamente qualquer notícia sobre os dois países na mídia ocidental vai ter um ponto de vista crítico aos modelos de governo atualmente no poder. Algo que não é incomum na história recente de Rússia e China e que, no fundo, tem o mesmo motivo de antes: enfraquecer os dois países e manter os EUA e o Ocidente controlando a economia mundial.

Atualmente, Rússia e China tem que lidar com movimentos separatistas em seus territórios, embora o caso russo seja embrionário se comparado ao chinês. Os protestos em Taiwan contra a aproximação do governo local e Pequim demonstram que a China deve passar por uma nova onda de protestos em território nacional e vai sofrer uma ampla campanha de difamação na mídia ocidental. Isso tudo no momento de maior acirramento nas disputas entre os governos de Donald Trump e de Xi Jinping.

Taiwan está em evidência devido a sua proximidade histórica com o antigo império britânico, além de ser um paraíso financeiro e permitir o livre acesso para ONGs ocidentais que estimulam os conflitos locais para prejudicar os governos não alinhados aos interesses imperialistas. Os movimentos que pedem a independência de Taiwan são apenas uma pequena parte do problema chinês.

O Tibet, que teve seu líder, o monarca Dalai Lama, viajando pela Europa justamente na mesma época em que estouraram os protestos em Taiwan, é tema recorrente no Ocidente. Talvez iludidos pelas bonitas palavras ditas pelo Dalai Lama, os defensores da independência da região, se esquecem de que o Tibet era uma monarquia fundamentalista que, de fato, escravizava seus cidadãos antes da Revolução Chinesa.

A região de Xinjiang, bem acima do Tibet, também é alvo de movimentos separatistas. Ali, a origem da questão não surge de um conflito nacional fomentado pelo Ocidente, mas por conflitos religiosos que se intensificaram nos anos em que o Estado Islâmico avançava pelo Oriente Médio. Os ataques terroristas aumentaram em Xianjing e os muçulmanos da etnia uigure e a população de religiões chinesas começaram a se dividir.

O governo chinês reprimiu os grupos separatistas e prendeu alguns de seus integrantes como faria qualquer outro governo do Ocidente em situação semelhante. Mas na mídia ocidental falou-se que o governo chinês estava promovendo um genocídio contra os uigures e que havia criado até mesmo campos de concentração (é bom notar que diferentemente de quando as congressistas americanas chamaram de campos de concentração os centros de detenção para imigrantes na fronteira dos EUA, o governo de Israel não declarou se sentir ofendido pela comparação).

Curiosamente, as duas regiões são ricas em recursos naturais e representam boa parte da capacidade de sustentação da soberania chinesa. Assim como algumas das regiões russas que começam a ver surgir movimentos separatistas. O Cáucaso, a região do Volga, a Sibéria e o extremo oriente russo, todos locais importantes para a manutenção da Federação Russa e do transporte no país, são regiões ricas em petróleo e em recursos naturais. E são nessas áreas que surgem os conflitos separatistas, a maioria deles influenciados por forças estrangeiras.

Conflitos que não são incomuns nas histórias recentes de Rússia e China. Durante as revoluções que aconteceram nos dois países no século passado e depois delas, diversos movimentos foram fomentados para que os territórios chineses e russos fossem divididos.

Na Rússia pós-revolução, invadida durante a Guerra Cívil até por países que lutavam entre si e se uniram para atacar os bolcheviques, os conflitos regionais logo surgiram. A Finlândia, que conseguiu sua independência e depois se voltou contra os socialistas, e a Ucrânia são os casos mais emblemáticos. Mas a unidade territorial da Rússia e depois da União Soviética foi garantida por Josef Stalin, que tinha o cargo de Comissário do Povo para Assuntos Nacionais e era responsável pela resolução dos conflitos entre as diferentes etnias do país.

Já na China, com a vitória da revolução liderada por Mao Tsé-tung, foi permitido que o nacionalista Chiang Kai-chek e o Kuomintang se instalassem em Taiwan para não prolongar o conflito. Desde então, a ilha é sempre utilizada como exemplo de uma suposta agressão chinesa (mesmo que a autonomia da região tenha sido concedida em um ato de conciliação) e a ameaça de dissolução em efeito dominó é uma pedra no sapato do governo socialista.

Russos e chineses, assim como os imperialistas, sabem que é a vastidão territorial dos dois países que permite que se coloquem contra os interesses do Ocidente de continuar a dominar o mundo como fazem desde a expansão marítima há quase 600 anos. São os grandes territórios da China e da Rússia que podem garantir a autossuficiência das duas populações em caso de um boicote global contra qualquer um dos dois. São esses territórios que possibilitam o desenvolvimento de um parque industrial diversificado em solo nacional e que ampliam as opções de defesa em caso de uma invasão militar estrangeira. É por isso que vão aumentar no Ocidente as campanhas em favor dos movimentos separatistas na Rússia e na China.

Não importa que a China seja um país socialista com uma política de cooperação internacional voltada para o benefício popular. Muito menos que a Rússia seja uma democracia sólida e com eleições livres e regulares. A mídia ocidental vai continuar a noticiar que a China tem um plano de espionagem global (mesmo que Edward Snowden – que recebeu asilo da Rússia – seja perseguido pelo governo dos EUA por revelar o sistema de espionagem norte-americano e quase ignorado pela mídia atualmente) e que Putin é presidente desde os anos 2000, ignorando o mandato presidencial de Dimitri Medvedev entre 2008 e 2012 (a longevidade presidencial só parece ser problema no caso russo, já que Angela Merkel, no poder por 14 anos consecutivos na Alemanha, não é questionada sobre o assunto).

Porque é preciso criar uma sensação na comunidade internacional de que China e Rússia são os inimigos da humanidade. Um inimigo em comum que todos devem combater, no Ocidente ou na China e na Rússia. E assim criar uma rede de sustentação a qualquer tipo de movimento contrário aos governos nacionais desses dois países. Mesmo que esses utilizem práticas corruptas e terroristas. Esse é o modus operandis do atual estágio do imperialismo. Dividir para conquistar. É assim na Venezuela, foi assim na Iugoslávia e será assim na China e na Rússia. A balcanização completa dos países não ocidentais é o aparelho que sustenta o império do velho mundo em coma.

Quem divide são os inimigos do povo e dos trabalhadores. Todas as maiores mentes da humanidade pensaram em uma grande união dos povos para superar a opressão vinda do estrangeiro. Uma união latino-americana através da Pátria Grande, como idealizou Simon Bolívar; a União Soviética dos trabalhadores do mundo criada por Vladimir Lenin para que nenhum povo fosse vítima de opressão; a União Africana impulsionada por Muammar al-Gaddafi, que provocou a fúria dos EUA e da União Europeia (essa uma falsa união, que busca adequar os países do leste europeu aos interesses da França e, principalmente, da Alemanha) e acelerou a campanha que buscou seu assassinato em 2011. Foram tentativas de criar uma oposição real aos países imperialistas, de criar um bloco soberano com países que pudessem cooperar e não competir entre si. O tempo histórico em que vivemos é de mudanças muito aceleradas. As antigas forças estão se deteriorando e novos atores ganham relevância no cenário internacional. Mas os países que estão no poder há mais de meio século não vão deixar seus postos tão facilmente. É por isso que atacam (como sempre fizeram) a Rússia e a China. Muitas pessoas da esquerda – algumas até que se dizem revolucionárias – podem se confundir. Podem achar que reprimir os movimentos separatistas é um ato contrário aos interesses populares. Mas são esses movimentos que são contra o povo. Eles interessam a quem quer se apropriar das riquezas naturais chinesas e russas e destruir a economia dos dois países. E se China e Rússia não são os modelos que podem inspirar os sonhos de uma esquerda que parece querer mais dizer que está certa do que agir de fato, é preciso encarar a realidade. Para isso, podem se espelhar na luta de Mao Tsé-tung e do Exército Vermelho, que se uniu a Chiang Kai-shek e ao Kuomintang para lutar contra o Império japonês. Afinal, não há revolução com qualquer império de pé.

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