O NAMORO ENTRE ARÁBIA SAUDITA E ISRAEL PRÓXIMO DE SER CONSUMADO

Por Luã Reis

Desde a ascensão do príncipe Mohamed Bin Salman ao comando de fato da Arábia Saudita, o namoro  com Israel, antes enrustido, se tornou explícito. Ainda que a monarquia saudita sempre tenha sido aliada dos ocidentais — primeiro do Império Britânico e em seguida dos Estados Unidos — a aproximação com o regime sionista, o outro fiel parceiro do ocidente, era impossível para o reino. O Rei Fasal, mesmo sem se envolver diretamente nos conflitos, condenava a ocupação israelense, se aproximando de líderes nacionalistas como Nasser e Kadafi. Afinal, a nação que comanda os sítios sagrados do Islã, Meca e Medina, e portanto, exerce papel espiritual na vida da religião, não poderia normalizar a ocupação de outros locais sacros por estrangeiros infiéis. Cabe lembrar que na Arábia Saudita, outras religiões são proibidas, mesmo os muçulmanos xiitas sofrem terrível perseguição.

Os sauditas, agora, abrem mão da rigidez na política religiosa em nome de interesses bem mundanos. Abdul Aziz Al-Sheikh, o Grande Mufti da Arábia Saudita, principal autoridade  religiosa wahabi, lançou uma fátua proibindo a luta contra ao Estado de Israel bem como descrevendo como “inapropriada” a resistência palestina, sendo chamado de “terroristas” os governantes palestinos e chegando mesmo a condenar críticas à entidade sionista. 

Em 2018, durante visita aos EUA, Bin Salman já tinha defendido a existência de Israel. Antes autoridades israelenses divulgaram acordos secretos entre os dois países, que culminou na liberação do espaço aéreo saudita para voos israelenses, incluindo incursões militares. Segundo a mídia israelense e russa, os dois líderes autoritários Bin Salman e Netanyahu se encontraram secretamente na Jordânia para discutir os termos da relação. Em entrevistas, o príncipe saudita apontava a questão religiosa como principal obstáculo para a normalização das relações. Não é mais.

As ações de Bin Salman combinadas coma declaração do Mufti indicam que é possível um pleno reconhecimento com um grau de relacionamento aprofundado. Essa relação seria muito mais intensa que existe entre Israel com o Egito, que normalizou as relações no fim dos anos 70, e com a Jordânia, que reconhece desde os anos 90.

O caminho para normalizar as relações entre os dois principais aliados dos EUA na região é indicativo da escalada contra o Irã. Pouco tempo atrás seria inconcebível uma aliança militar formal entre Riad e Tel-Aviv, agora já se vislumbra no horizonte tal possibilidade. Com isso os palestinos, do Hamas e do Fatah, se juntam ao Irã e ao Hezbollah, como infiéis, segundo a doutrina  wahabbista do reino saudita.

Os EUA falharam em formar uma aliança militar dos países do golfo para “proteger” os petroleiros sauditas no Golfo Pérsico em caso de ataque ou guerra contra o Irã. Os iranianos já afirmaram que não deixarão em paz os aliados americanos regionais. Os países do Golfo, mesmos aliados de sauditas e americanos, se ressentem da segurança.

Do Líbano ao Iraque, do Iêmen à Síria, o Irã tem aliados poderosos com capacidade de retaliação, que podem causar grave danos aos EUA e seus aliados. No entanto, com o avanço da crise, a tendência é que outros atores, Rússia e China, também se envolvam, criando dificuldades para sauditas e israelenses, uma vez que ambos também têm boas relações com Putin e recebem grandes investimentos de Beijing.

A polarização esgota também as margens de manobras no âmbito interno: o regime israelense se encontra em crise política duradoura, enquanto Bin Salman aumenta a repressão interna contra dissidentes e se afunda na guerra genocida contra o Iêmen, o Vietnã saudita. Tampouco será bem recebido pelas populações árabes e muçulmanas a normalização das relações, levando a protestos e tornando o governo saudita alvo da fúria popular.  

Consumado o casamento entre sauditas e israelenses será um aprofundamento no cenário de crise do Oriente Médio.

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