NOTÍCIAS DO MAIS NOVO PAÍS DO MUNDO: O SUDÃO DO SUL

Por Victor Pitanga

Milhares de manifestantes desafiam a polícia e o governo da mais jovem república do mundo desde dezembro do ano passado. Jovens em Juba, capital do Sudão do Sul, pedem o fim do governo de Kiir Mayardit, o primeiro presidente do país desde sua independência do Sudão em 2011.

No Sudão, um conselho militar provisório assumiu a liderança do país e prendeu o então presidente Omar al-Bashir num golpe de estado em abril deste ano. O novo governo não se mostrou capaz de atender às demandas populares, conciliar os grupos e milícias separatistas nem tampouco diminuiu a violência.

Conflitos étnicos e religiosos não são incomuns na África nem em lugar nenhum, muito menos nos países que foram subjugados ao processo de colonização. A independência do Sudão do Sul e as duas guerras civis que a antecederam devem muito à disputa entre o norte majoritariamente muçulmano e o sul majoritariamente cristão. No entanto, mais de trinta anos de conflito armado e 3,2 milhões de refugiados não se resumem a uma espécie de guerra tribal religiosa como trata a mídia ocidental nas raras publicações sobre o tema.

O regime de Omar al-Bashir e a elite de Cartum não economizaram em violência e repressão na tentativa de unificar as mais de 19 milícias, exércitos e facções locais que controlam grande parte do país.
A França, que adquiriu em 1980 o direito de explorar uma área de 120 mil km² e refinar petróleo, foi a maior fornecedora de armas do regime. A Chevron e outras empresas estadunidenses falharam ao tentar competir na exploração de petróleo na região, levando o governo dos Estados Unidos a atuar através de organizações e estados intermediários, oferecendo apoio militar a mercenários na Uganda, Etiópia e Eritréia. Até a canadense Talisman Energy foi acusada pelos Estados Unidos de ser cúmplice nos crimes de guerra do governo sudanês, em referência as suas operações na região.

Em 1997, sanções impostas pelos Estados Unidos em resposta às denúncias de crimes de guerra cometidos pelo regime de Omar al-Bashir, iriam devastar a já instável economia sudanesa.

Em 2005, três décadas e mais de 300 mil mortos depois, Omar al-Bashir e forças separatistas como Movimento de Liberação Popular do Sudão assinam o acordo de Naivasha, visando fim das hostilidades, a construção de governança democrática no país e a divisão da receita da exploração petrolífera. O líder do Exército de Liberação Popular do Sudão, John Garang, se torna vice-presidente do Sudão.

Garang defendia que o país deveria se manter unido como uma nação secular e multiétnica, o Sudanismo, ideia que norteou o acordo de Naivasha. Meses após a assinatura do acordo em 2005, o vice-presidente vem a óbito em um acidente de helicóptero. O Movimento de Liberação Popular e o governo alegaram que o clima teria causado a queda, mas muitos boatos, alguns endossados por líderes nacionais como do presidente da Uganda Yoweri Museveni, atribuiriam a morte do presidente à ação de grupos rebeldes.

A China, a essa altura, já se tornara um dos maiores importadores de petróleo do Sudão, o que resultou num enorme investimento na indústria petrolífera sudanesa. O regime de Omar al-Bashir viria então a se aproximar da China, Irã e Líbia, frente à nova conjuntura global que se desenhava.

Em 2011, a maioria da população vota pela independência do Sudão do Sul, que torna Kiir Mayardit, então líder do Movimento de Liberação Popular do Sudão, o primeiro presidente do Sudão do Sul. O referendo foi comemorado pelas potências ocidentais e boicotado pela população das áreas controladas pelas milícias.
A crescente proximidade do presidente Kiir com o governo dos EUA aumenta a tensão no país, os dez estados criados originalmente pela constituição do Sudão do Sul se tornam trinta e dois. Não tardou até que tropas estadunidenses sob égide de organizações internacionais estabelecem bases no país.

Riek Machar Teny Dhurgon, vice-presidente do Sudão do Sul e ex-aliado do presidente Kiir Mayardit é acusado por este de tentar um golpe de estado. Riek Machar forma o Movimento de Liberação Popular do Sudão Em Oposição, que se torna a principal força anti-governamental até hoje. O Movimento de Liberação Popular perde apoio em diversas áreas do país e vários grupos rebeldes não reconhecem a legitimidade do governo.

Em 2014, nove grupos minoritários da oposição formam a Aliança de Oposição do Sudão do Sul na tentativa de negociar coletivamente com o governo. As negociações não foram suficientes para acabar com o conflito e como parte do acordo, Riek Machar reassume, em 2016, o posto de vice-presidente do qual se ausentou desde 2013.

Em 2018, os EUA tentam embargar a venda de armas para o Sudão do Sul, mas Rússia e China se abstém da votação. A União Africana, União da África do Leste e a Autoridade Intergovernamental pelo Desenvolvimento mandam forças militares para supervisionar novos acordos de paz. Críticos dos acordos afirmam que este aumenta a concentração de poder do presidente Kiir, enquanto grupos oposicionistas reivindicam uma nova reforma federalista e constitucional. Por fim, em agosto do mesmo ano, três grupos de oposição ao governo e ao Movimento de Liberação Popular do Sudão Em Oposição se unem e retomam as atividades sob o nome de Movimento Oposicionista Unido do Sudão do Sul.

No Sudão, a tentativa de contornar o colapso subsequente aos mais de dez anos de sanções resulta em medidas de austeridade e no fim do subsídio governamental aos alimentos e combustíveis. O regime de trinta anos de Omar al-Bashir cai em abril de 2019, depois de meses de protestos, dando lugar a um conselho militar.

Tendo em vista o crescimento do investimento chinês na economia do Sudão, o novo governo pode ser a única possibilidade de realização dos interesses estadunidenses no país a médio prazo. Simultaneamente, o governo do Sudão do Sul, mais inclinado a Washington, tem somente a violência como forma de impor algum tipo de legitimidade, tendo grande parte do seu território controlado pelo Movimento de Liberação Popular em Oposição.

Enquanto a iminência de novos conflitos se apresenta e a população enfrenta um dos governos mais repressivos da atualidade, a mídia e os órgãos internacionais que tanto sensibilizam frente à crise humanitária em Darfur e os crimes contra a humanidade perpetrados pela ditadura de Omar al-Bashir , permanecem em silêncio uníssono quanto aos patrocinadores.

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