A BATALHA POR EL DORADO: NÃO PODE HAVER PAZ SEM AUTORIDADE [parte 3]

Victor Pitanga

“O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”

Finda a Segunda Guerra, o mundo se divide em zonas de influência das duas potências globais, EUA e URSS. Américas, Europa Ocidental e porções da Ásia e África estão, agora oficialmente, sob tutela dos Estados Unidos.

Os acordos de Bretton Woods, em 1944, indexaram as moedas ao valor do dólar – garantindo, na prática, a penetração do capital estadunidense à maior parte os mercados do mundo, além de torná-lo a principal moeda de reserva no Ocidente. A criação do Fundo Monetário Internacional (FMI) e da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) viriam consolidar a superpotência ianque na vanguarda do capitalismo global. Jânio Quadros e João Goulart tentaram manter o Brasil em neutralidade frente às duas potências globais, mas Washington tinha outros planos.

No início da década de 60, durante os governos de Dwight Eisenhower e John Kennedy, inicia-se uma campanha mais ousada visando soberania e riquezas brasileiras. Através do financiamento de projetos e instituições como a Aliança Nacional pelo Progresso, o Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais, a Ação Democrática Parlamentar e o Instituto Brasileiro de Ação Democrática, o governo dos Estados Unidos começou a mobilizar empresários e parlamentares ligados aos setores agropecuaristas e de extração mineral para consolidar o golpe de Estado que resultaria na ditadura militar que governou o Brasil de 1964 a 1985. Exxon, Texaco, Mercedes Benz, Volkswagen, Bayer AG, Siemens e Mannesman entraram no lobby e obtiveram lucros recordes durante o regime.

A ditadura militar foi um dos períodos de maior expansão da indústria agropecuária no Brasil; a dissolução do parlamento e aparelhamento do corpo jurídico serviram para consolidar os planos de seus patrocinadores: a exportação de carne, madeira, minérios, commodities e combustíveis, além de uma política econômica voltada aos interesses dos EUA.

A repressão às ligas e associações camponesas, segundo levantamentos atuais, apontam 1.196 assassinatos durante o regime, o Estado, até hoje, só reconheceu 29.

Em 1966, o governo militar brasileiro em parceria com o capital internacional criou a ‘Operação Amazônia’ que garantia generosas isenções fiscais às empresas estrangeiras que se instalassem na região: Bordon Company, Anglo Company, Wilson Meat Packaging Company, Jari Forestry and Ranching, Liquigás, Bethelem Steel entre outras, entraram na partilha, muitas vezes adotando nomes brasileiros no intuito de camuflar a origem do capital e o destino final dos lucros obtidos.

Além da ocupação e loteamento irregular de imensas áreas de floresta preservada, o governo militar investiu em satisfazer as demandas dos investidores: a “ocupação dos vazios demográficos” foi pretexto para extração mineral (Projeto Grande Carajás) e desmatamento ilegal, gerando diversos conflitos socioambientais com as populações nativas, dentre um dos mais emblemáticos, a rodovia Transamazônica (BR 163).

No fim da década de 1960, a Câmara dos Deputados fez uma ampla investigação sobre a presença estrangeira na Amazônia, concluindo que cerca de 20 milhões de hectares já estavam em posse de estrangeiros. Essas terras, segundo o relator deputado Haroldo Velloso, formavam uma faixa contínua que isolava a área do restante do país. Nenhuma providência foi levada a cabo pelo governo e o relatório foi engavetado.

O capital estadunidense fomentou a criação e desenvolvimento de autarquias como a Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia e a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste; cujas funções, escamoteadas no discurso desenvolvimentista do regime, resumiam-se a facilitar a isenção fiscal de empresas privadas nacionais e estrangeiras. Eximida de qualquer contrapartida social, a exploração da floresta e da mão-de-obra brasileira rendeu lucros exorbitantes aos acionistas e deixou como legado o aprofundamento da desigualdade do país.

O assentamento de empresas estrangeiras contrariaria o discurso patriota dos governantes militares que lançaram como base ideológica a noção de que os movimentos agrários, indígenas e indigenistas não passariam de lobby estrangeiro, advogando pela criação de reservas no intuito de diminuir o controle estatal na região. Presente até os dias de hoje, nas falas do presidente Bolsonaro e seus correligionários, essas ideias foram amplamente divulgadas na mídia e em livros como ‘A Farsa Ianomâmi’ do general Carlos Alberto Lima Menna Barreto. A deslegitimação dos movimentos sociais, indígenas e indigenistas sob o argumento de que as reservas e a presença de ONGs na região seriam uma ameaça à soberania brasileira, fundamentam a ocupação irregular e a exploração predatória da terra e dos povos originários.
Os documentos do próprio Serviço Nacional de Inteligência do governo provariam a ausência de qualquer base real nesse argumento.

Afinal, o interesse era fazer o bolo crescer, não dividí-lo.

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