A BATALHA POR EL DORADO: UMA ABERTURA LENTA, GRADUAL E SEGURA [parte 4]

Por Victor Pitanga

“[…] a Amazônia apresenta-se com opulência de elementos vitais ao desenvolvimento e à própria sobrevivência.”

A segunda metade da década de setenta sinalizava um futuro não muito promissor para a população brasileira. O ‘milagre econômico’ durou pouco e serviu ao empresariado para aumentar sua renda a custas de salários contidos de milhões de brasileiros. No início dos oitenta, a inflação e a baixa na taxa de câmbio corroeram a economia latino-americana. O crescimento exponencial da desigualdade era camuflado pelos censores da mídia corporativa e o ufanismo da propaganda do governo já não convencia.

As centrais sindicais, movimentos sociais e indígena, espoliados por anos pela política de repressão do Estado, viram suas fileiras engrossar e o crescente apoio de diversos setores da sociedade pela redemocratização. Era hora de Washington mudar a tática com a América Latina.

Lideranças como Chico Mendes e Ângelo Kretã povoaram a mídia e o imaginário brasileiro da época. Em 1988 promulga-se a primeira Constituição Nacional elaborada com participação popular no Brasil. O Estado brasileiro foi forçado a facilitar a demarcação e regulamentação de terras tradicionais indígenas. O lobby internacional, encabeçado pelos Estados Unidos com signatárias europeias, começou a fazer pressão pela internacionalização da Amazônia.

Através de empresas privadas e do financiamento de agências e lideranças políticas, os acionistas estrangeiros conseguiram manter e expandir suas atividades dentro da floresta. Com o auxílio das Forças Armadas, anistiadas no processo de redemocratização, foi possível manter a ordem de extermínio contra os povos da floresta, ativistas e lideranças populares. A escalada neoliberal pós-Guerra Fria se traduziu na América Latina com a dissolução da incipiente proteção social estatal agora não através da repressão ditatorial, mas da imposição do mercado.

Em 1986, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) publicou dados do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) que calculavam em 40% do subsolo da floresta já em posse de estrangeiros com fins de ‘pesquisa’ mineral. O jornal Estado de São Paulo, cujo diretor esteve intimamente ligado ao golpe de Estado de 64, atacou a publicação do Cimi alegando que a internacionalização da área era questão de ‘segurança nacional’.

Estima-se que ao menos 8.350 indígenas tenham sido assassinados desde o golpe militar em 1964 até a redemocratização da república em 1988. Somente no estado de Roraima, 2.000 habitantes da Área Indígena Raposa/Serra do Sol foram assassinados, principalmente, em conflitos com garimpeiros: “as buchas-de-canhão” do capital internacional, segundo o Cimi. O mesmo relatório ainda afirma que “a Amazônia já vem sendo internacionalizada há muito tempo, sempre com a conivência e o amparo do governo federal e dos governos estaduais da região. Os dados sobre este processo são muito claros e abundantes”.

A investida do capital estrangeiro se consolidaria em um plano anunciado em 1990, pelo presidente George H. W. Bush e enviado ao Congresso dos Estados Unidos. As “Iniciativas para as Américas”, propulsoras da Área de Livre Comércio entre as Américas (ALCA), reconfiguravam as relações econômicas entre os Estados Unidos e os países da América Latina, ampliando a participação da economia estadunidense nos mercados latino-americanos. A indústria farmacêutica e empresas de pesquisa em engenharia genética entraram nas negociações através da proposta de debt-for-nature onde a dívida dos países da América Latina seria reduzida através do investimento em desenvolvimento sustentável. No Brasil, esse movimento foi protagonizado pelo conhecido Emendão do presidente Fernando Collor de Melo.

O Emendão garantia ‘nacionalidade’ a empresas estrangeiras com sedes no Brasil em detrimento das sucateadas e privatizadas empresas nacionais. Com o turbulento fim do governo Collor, o Emendão não foi aprovado, mas a agenda neoliberal continuou em vigor nos governos Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso. As atividades de empresas estrangeiras e o desmatamento ilegal na Amazônia continuaram apesar do aumento das demarcações de terras indígenas e reservas ambientais. Em 1995, durante o governo FHC, o desmatamento ilegal alcançou o recorde de 29.059 km².

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