Prostituição e pandemia: ‘Terei que aceitar 20 ou 30 reais, preciso comer’

Por Yuri Fernandes  (via Projeto Colabora )

Para muitas, quarentena não existe. Nas ruas, queda no número de clientes e maior exposição. Pandemia afeta, sobretudo, população trans, já que atividade é responsável pela subsistência de 90% dela.

Cinquenta quilômetros separam a casa de Luísa*, no município de Franco da Rocha, em São Paulo, do bairro Ipiranga, região nobre da capital paulista onde trabalha há 15 anos como profissional do sexo. No último sábado, 21, dia que seria de maior movimento na semana, voltou para casa com apenas 20 reais – valor que quase não seria suficiente para arcar com a condução caso ela não tivesse o bilhete especial devido a uma limitação motora. “Um sexo oral e mais nada. Avenida vazia. Na terça, eu vou tentar de novo, mas acho que não vai ter ninguém, né?”, lamenta. Em sábados normais, conseguiria em torno de 100 reais. Com grande parte da população brasileira em quarentena, evitando as ruas e o contato com outras pessoas para barrar o avanço do coronavírus, Luísa teme o quanto isso pode impactar ainda mais em sua atividade. Assim como diversos outros profissionais de diferentes áreas, ela não pode parar completamente.

“Terei que aceitar se entrar 20 ou 30 reais e voltar para casa, preciso comer. Compro uma bandeja de frango temperada, alguns legumes, e sobrevivo”. Ciente das orientações de prevenção à Covid-19, ela diminuiu os dias de trabalho de quatro para dois na semana. Em sua bolsa, garante que leva sempre álcool em gel e lenços umedecidos. Mulher trans de 39 anos, foi expulsa de casa aos 23 por conta do preconceito dos pais. A prostituição foi a saída encontrada para se manter. Mas não por mera opção.

“Já trabalhei em outras profissões, mas sempre sofri muito preconceito e isso abala muito nossa cabeça. Sendo trans e prostituta, é muito difícil ser respeitada”, diz ao #Colabora enquanto voltava de mais uma tentativa de conseguir mudar de vida. Na segunda, 23, foi à capital deixar seu currículo em agências de emprego e lojas, mas se deparou com todas as portas fechadas. Além do que recebe na noite, ganha R$ 89 do Bolsa Família.

Enquanto Luísa segue sua rotina nas ruas em busca do sustento, em Salvador, Keila Simpson, de 55 anos, faz parte do pequeno grupo de prostitutas que está conseguindo se manter em quarentena. Além de presidenta da Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), coordena o Espaço de Sociabilidade e Convivência do CPDD (Centro de Promoção e Defesa dos Direitos da População LGBT) – trabalho remunerado que agora realiza remotamente. “Mas se você perguntar qual a minha profissão, respondo sem titubear: prostituta. Paralisei completamente a atividade nas ruas já tem uma semana. Tenho 55 anos, estou entrando no grupo de risco. Só que existe uma quantidade enorme de meninas trabalhando na noite porque precisam. O clima é de temor porque podem ser infectadas a qualquer hora”, alerta. Vale destacar que não há evidência científica de que a doença seja transmitida por contato sexual.

De acordo com os dados da Antra, Luísa e Keila fazem parte dos 90% da população trans que tem a prostituição como fonte de renda. Com total consciência dos riscos que esse expressivo contingente de pessoas está exposto diante da pandemia, a entidade preparou uma cartilha com orientações, sobretudo, para aquelas que não podem se isolar. “Conversando com várias delas, nós chegamos ao entendimento que não é simples dizer para que fiquem em casa. Pensamos, então, de que forma poderíamos minimizar o impacto do coronavírus para aquelas que, porventura, têm uma necessidade extrema de estar na rua”, explica Bruna Benevides, secretária de Articulação Política da Antra. O material pode ser conferido aqui.

Quarentena negada

Mulheres e homens que não possuem autonomia sobre a própria atividade estão também entre os casos em que a exposição é inevitável, mesmo no contexto atual. O caso de Luísa é diferente. Ela mora em um terreno que comprou com o dinheiro conquistado ao longo dos anos. Mesmo reclamando das condições da casa, – “a telha está velha e entra água quando chove” – ela trabalha por conta própria, sem sofrer exploração. Realidade distante de muitas prostitutas que vivem em albergues ou quitinetes mantidas por cafetões ou cafetinas que, apesar do avanço da pandemia e a necessidade da quarentena, estão exigindo o pagamento das diárias e obrigando-as a trabalhar, conforme noticiado pela imprensa local de Cuiabá, em Mato Grosso.

“A exploração acontece porque a maioria são jovens em vulnerabilidade e muitas pessoas aproveitam a força de trabalho delas. Indicamos que as meninas se posicionem, que se organizem de outras formas para que não estejam mais submetidas à exploração e que possam ter na sua profissão a subsistência garantida, sem a interferência de terceiros. Neste contexto, pedimos que façam denúncias, que colham provas materiais, que contem conosco para analisar esses casos e contribuir para que não sejam submetidas à violência”, explica Bruna Benevides, da Antra.

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