A pandemia de coronavírus na Rússia e a velha tara ocidental

Luã Reis – A pandemia do coronavírus é utilizada pelos regimes ocidentais como mais uma forma de atacar os inimigos geopolíticos. O principal alvo da campanha difamatória é a China, mas também sobram investidas contra o Irã, a Venezuela e a Coréia do Norte. O alvo da vez agora é a Rússia, que viu aumentar drasticamente os casos de Covid-19 nas últimas semanas, se tornando o terceiro país mais atingido pela pandemia. Porém, o aumento da quantidade de casos não foi acompanhado pela alta do número de mortos.

O que cresceu na mesma medida foi sim a campanha contra o país euroasiático. A solidariedade mundial tão demonstrada em relações a outros países, como a Itália e a Espanha, não se manifestou pelos russos, muito pelo contrário.

Os grandes veículos de imprensa mundial analisam a baixa letalidade da pandemia entre os russos não como uma prova de sucesso, mas como a evidência de um crime acobertado.

Na semana passada, a agência de notícias Bloomberg publicou: “Especialistas querem saber porque Coronavírus não matou mais russos”. Nem precisa de Freud para explicar: a agência de notícias americana, de Michel Bloomberg, lamenta abertamente que a pandemia não matou o número desejado de russos. O bilionário Bloomberg, ex-prefeito de Nova York, tentou a indicação do Partido Democrata para a eleição presidencial dos EUA, tentando se valer da enorme fortuna para conquistar o posto, objetivo no qual fracassou. Bloomberg, mesmo sem votos, estará presente na campanha democrata pela Casa Branca, onde os ataques a Rússia será um dos elementos chaves.

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Ninguém cobrará explicação ou retratação do veículo ou do político pelo inegável desejo que mais russos morram, na expectativa que mais mortes afetam a popularidade do presidente Vladmir Putin.  Ao contrário, as empresas de comunicação brasileiras vão continuar reproduzindo, bovinamente, o conteúdo da Bloomberg sobre os russos .Na mesma linha ainda, o The New York Times acusou Rússia de esconder números, lamentando o baixo índice de letalidade.

Reportagem do El Pais, publicada na versão brasileira do jornal, utiliza um tom de incredulidade: “O mistério da baixa letalidade do coronavírus na Rússia”. Bem diferente da abordagem sobre a baixa letalidade na Alemanha: “‘Merkelmania’ aponta o êxito da chanceler cientista durante a pandemia”.

Baixa letalidade em um regime aliado: “excelente gestão”, “admirável”, “governo transparente” e “medidas científicas”. Baixa realidade em um regime indesejável: “gestão irresponsável”, “dúvidas sobre os número”, “regime que oculta” e “medidas insuficientes”. Esse é um exemplo da conduta midiática geral na análise sobre a pandemia na Rússia. Mídia essa que se apresenta como neutra, democrática, imparcial e defensora da ciência.

Fosse uma real preocupação científica se analisaria o quadro russo, observando, ao menos os fatores sanitários, políticos e demográficos

A Rússia é o segundo país que mais testa no mundo, atrás apenas dos EUA, como se vê no gráfico abaixo.

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A Rússia testou muito mais que a cientifica e exemplar Alemanha, assim a taxa de letalidade despenca. A quantidade de testes é um índice de uma tentativa de controle da epidemia, identificando os assintomáticos. O número de testes também é um indício de transparência, diferente do Brasil, por exemplo, que não testa praticamente ninguém. Se a Rússia quisesse esconder algo seria mais simples não testar ninguém e apresentar um ilusório controle. O país realiza mais de 200 mil testes diários, sendo gratuitos diferente dos EUA ou do Brasil.

Outras medidas de contenção foram adotadas bem antes. A Rússia fechou as fronteiras com a China em 30/01, quando Boris Johnson no Reino Unido dizia que “continuaria apertando as mãos” e Trump desdenhava da doença (para nem citar as inúmeras declarações de Bolsonaro). Em 5/03, Moscou decretou quarentena. Para aqueles que chegavam da China, Itália, Espanha e França era uma quarententa ultra-severa. As medidas russas de precaução foram, portanto, muito anteriores a declaração do status de pandemia pela OMS, em 11/03. Uma semana depois, a Rússia fechou as fronteiras e adotou uma quarentena ainda mais rigorosa: incluindo alertas por SMS e autorização de sair apenas a partir de um aplicativo desenvolvido para a quarentena. Atitudes louvadas quando realizadas por outros governos.

A Rússia, portanto, tomou medidas enquanto as nações que se “assombram com o mistério russo” negavam os efeitos do corona. Quantos não morreram no ocidente pelo desprezo de Trump e Boris Johson pela doença?

As medidas de precaução não puderam impedir, obviamente, a entrada do vírus no país. Afinal a Rússia faz fronteira com regiões que foram os focos da epidemia em determinado momento: mais de 1000 km de fronteira com a China, fronteira marítima com o Irã no mar Cáspio e milhares de km de fronteira com a União Européia. No entanto, os russos conseguiram com as medidas ganhar tempo para se preparar da inevitável chegada do Corona.

Se por um lado o enorme território permite pontos de permeação do corona, por outro dificulta a extensão do contágio. A Rússia tem uma densidade populacional baixíssima, entre as menores do mundo, dificultando o contágio do vírus: 9 hab/km². Em comparação com outras nações duramente atingidas pelo vírus, os EUA tem 34 hab/km², a Itália 200 hab/km², o Reino Unido 280 hab/km².  

Comparado com outros países europeus, o número de turistas, isto é o fluxo de visitantes estrangeiros, na Rússia é baixíssimo, restrito ao verão praticamente. Não por coincidência, os países europeus mais afetados são aqueles que mais recebem visitantes ao longo de todo ano

As vítimas preferenciais da Covid- 19 são homens com mais de 75 anos. A expectativa de vida na Rússia é de 72 anos (muito baixa, em comparação no Brasil é 75). A expectativa na Itália e na Espanha é 83 anos, na Alemanha 81, França 82. Na Rússia não há uma população tão envelhecida para que constitui o perfil vitimado do vírus, se o recorte for sobre os homens a expectativa é ainda mais baixa: 66 anos, uma das mais baixas do continente. Por isso mesmo, não há na Rússia muitos asilos ou casas de repouso para idosos que se tornaram verdadeiros focos de disseminação da doença.

Então, a explicação para baixa letalidade russa passa pelo quadro sanitário, político, demográfico e até cultural que a análise ocidental não gosta de observar, pois tende a humanizar os russos, eternos vilões. Como todos os países, a Rússia cometeu erros e acertos na condução da crise sanitária, agravados pelos problemas sociais. Há desigualdades sociais e regionais, os hospitais, por exemplo, não são distribuídos igualmente pelo vasto território. 

 A baixa letalidade teve ser considerada um acerto não um índice negativo de que há algo escondido. Se houvesse uma real preocupação com a vida dos russos, os veículos de comunicação deveriam questionar as sanções que as potências ocidentais mantém contra o país, impedindo a compra de medicamente e outros itens básicos. 

Então Bloomberg, El Pais e New York Times podem ficar tranquilos: ainda morrerão muitos russos pelo Corona.

Difícil imaginar que morrerão as teses conspiratórios, a campanha de ódio e os ataques de governos e veículos ocidentais que são incapazes de aceitar que nações que consideram inferiores possam obter sucesso, onde eles fracassam. Morrem o discurso científico e a defesa da vida quanto o assunto é a Rússia ou outros os outros países que não se submetem ao poder imperial e ao consenso liberal hegemônico: para estes as conclusões e soluções já são apresentadas de antemão e até não morrer é um mistério, algo criminoso, digno de suspeita.

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