O Império informal dos EUA no Afeganistão

Por B. Arjun, via resistir.info – Em 21 de Fevereiro, iniciou-se o plano de sete dias de redução da violência no Afeganistão, negociado pelos EUA com os Talibãs. Posteriormente, as duas partes em guerra assinaram em 28 de Fevereiro um acordo para trazer a paz ao Afeganistão. Os Estados Unidos prometeram a retirada gradual das suas forças militares no Afeganistão. Espera-se que isto marque o princípio do fim do envolvimento americano da guerra no Afeganistão, com quase duas décadas, após os ataques de 11 de Setembro de 2001.

O ambíguo acordo entre os EUA e os Talibãs assinado em Doha, no Qatar, foi negociado durante mais de um ano. O governo do Afeganistão, apoiado pelos EUA, foi excluído destas negociações. Tratou-se de um acordo directo entre o império norte-americano e uma organização não governamental, o Emirado Islâmico do Afeganistão ou os Talibãs.

Este chamado acordo de paz é bastante ambicioso. O objectivo é atingir a redução do nível actual de tropas dos EUA e coligação de12 a 13 mil para 8 600 e é “baseado em condições”. Segundo o acordo, espera-se que os Talibãs abandonem o movimento de rebelião e não estabeleçam contactos com grupos terroristas como a Al Qaeda.

Apesar de alguns sinais de despeito dentro da elite política afegã, o desejo de paz e do fim do domínio estrangeiro dos EUA é esmagador entre o povo do Afeganistão. O povo afegão está ansioso por um amplo diálogo intra-afegão para alcançar um cessar-fogo e uma paz duradoura no seu país.

No dia seguinte à assinatura do acordo de Doha, os Talibãs lançaram um ataque contra forças do governo afegão. O ataque chocou a comunidade internacional que esperava que o acordo inaugurasse uma nova era em Cabul. Porém, após o choque inicial, as coisas parecem estar a voltar ao normal.

Os Talibãs reivindicam o acordo como uma vitória da sua luta nacionalista. No entanto, é tolice imaginar que os Estados Unidos estão a deixar o Afeganistão para sempre. O crescente envolvimento de Washington no Irão e na Ásia Central, para combater a aliança sino-russa simplesmente não permite que os norte-americanos voltem para casa.

É provável que o carácter do império dos EUA no Afeganistão possa sofrer uma mudança. De colónia formal, Cabul pode tornar-se uma colónia informal dos EUA. As autoridades militares americanas presentes em Cabul podem chegar a 1 000 ou até menos, mas os EUA continuarão a governar o Afeganistão.

Para muitos norte-americanos, o acordo de Doha é, em vários sentidos, um amargo de boca. Pouco faz para resolver as diferenças entre os vários senhores da guerra afegãos e o governo central em Cabul, há muitos anos um fantoche dos EUA.

Andar de mãos dadas com os Talibãs, é uma proposta difícil para os liberais dos EUA. Nas mentes dos norte-americanos a rebelião dos Talibãs enquadra-se na categoria de “guerras injustas”. São considerados uma organização terrorista, em torno da qual a narrativa de “guerra ao terror” foi construída nos últimos 20 anos.

Por outro lado, para os afegãos, é igualmente perturbador aceitar um acordo com a América que se dedica sem piedade a bombardear as suas cidades e arruinar o seu país.

Os EUA conseguiram superar a sua aversão aos Talibãs por razões pragmáticas. Como afirma um professor: “Sair do Médio Oriente pode realmente significar mais violência, em vez de menos, a curto prazo. Também pode significar que organizações como os Talibãs afegãos acabem detendo o poder nos seus próprios países, em vez dos liberais que os americanos preferem. Mas se alguém leva a sério o fim de uma guerra sem fim, essas são as trocas, às vezes dolorosas, que devem ser levadas em consideração.”

Quem diz que os Estados Unidos saem porque não conseguiram vencer a guerra, recusa-se a entender que os EUA nunca ocuparam Cabul para construí-la nem conquistar os corações e mentes do povo afegão. Os Estados Unidos basicamente entraram em Cabul para alcançar os seus estritos objectivos geopolíticos, reforçar sua hegemonia e engordar o complexo industrial militar (CMI).

Esta prolongada guerra não é necessária aos interesses de segurança dos EUA, nem a oposição foi grande, continuou principalmente porque as elites políticas e económicas dos EUA precisam de violência contínua para justificar o seu imenso orçamento anual de defesa de 700 mil milhões de dólares.

A política internacional do pós-Guerra Fria deu a Washington um amplo espaço para se envolver em guerras ilusórias para apaziguar o CMI.

Dado que apenas 3 500 militares americanos e da coligação foram perdidos no Afeganistão, a elite americana usufruiu desta “guerra sem fim” na qual foram gastos cerca de 2 milhões de milhões de dólares e mortos dezenas de milhares de afegãos.

A questão é: por que desejam os Estados Unidos negociar com o seu inimigo das últimas duas décadas? Por que desejam os EUA considerar os Talibãs guardiões dos seus interesses no Afeganistão?

Uma razão clara é que a posição financeira americana está apertada. Nos EUA agora repensa-se nos custos envolvidos numa guerra prolongada, especialmente quando é difícil manter os interesses dos aliados. Além disso, à medida que o desafio sino-russo cresce, os EUA pretendem alcançar muito mais com muito menos e preservar os seus recursos para outras batalhas.

A assinatura do pacto de paz no Qatar foi testemunhada pelo embaixador indiano no Qatar, P. Kumaran. No entanto, foi um revés para a diplomacia indiana que trabalhou duramente para garantir que os Talibãs, apoiados pelo Paquistão, permanecessem na periferia de Cabul.

Agora, a Índia não tem escolha a não ser aceitar que os Talibãs não são mais um pária para os Estados Unidos, que pouco se importa com os interesses nacionais indianos.

O Paquistão certamente está feliz com a evolução, porque terá um regime que trabalhará para reduzir o envolvimento da Índia no Afeganistão.

Além disso, a elite diplomática paquistanesa congratula-se por ter desempenhado um papel crucial ao ajudar o governo de Trump a fazer um acordo com os Talibãs.

Olhando para o estado actual da geopolítica, é difícil ser optimista quanto às perspectivas de paz na região. Os Talibãs prometeram cuidar dos interesses de segurança de Washington no país, impedindo qualquer outra força estatal ou não estatal de usar o solo afegão para ameaçar os interesses dos EUA.

A questão é: como se comportará um regime dominado pelos Talibãs na Organização de Cooperação de Xangai e como reagirá às propostas da China e da Rússia para investimentos em infraestruturas. Os EUA permitirão que se aproximem da China e do Irão? Por quanto tempo os Talibãs continuarão a servir aos interesses americanos na região?

E, mais importante, por quanto tempo o CMI dos EUA continuará sem uma guerra? O desenvolvimento de novas armas exigirá novos campos de tiro real como o Afeganistão e a estratégia americana continuará a identificar novos locais para novas guerras.

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