O pedido de Lula de paz para o Cáucaso e o outro mundo possível

Por Luã Reis – O presidente Lula faz 75 anos hoje, 27 de outubro, em meio a homenagens, se recorda os feitos do governo marcado pela inclusão social, crescimento econômico e uma política externa soberana. A histórica política para relações exteriores “altiva e ativa” permite conjecturar sobre um pedido até certo ponto inusitado que fez Lula na semana passada.

O Itamaraty nada falou até agora sobre o conflito no Cáucaso entre Armênia e Azerbaijão. Provavelmente Bolsonaro e Ernesto Araujo estejam aguardando ordens de Trump para ser pronunciar. Já Lula se manifestou contundente por um cessar-fogo: “As maiores vítimas das guerras são sempre os civis, os mais vulneráveis. Por isso é importante a paz e o respeito ao cessar-fogo pelo Azerbaijão e a Armênia. Espero que as partes possam encontrar uma solução pelo diálogo com base nas resoluções da ONU e nos princípios da Carta.”

Na mensagem publicada no twitter, Lula pedia respeito ao cessar-fogo organizado pelo grupo de Minsk, liderado pela Rússia e pela França, e o respeito ao direito internacional, que bem ou mal é organizado pela ONU. Não deixa de ser uma sutil, delicada e diplomática cutucada de Lula no líder turco Erdogan, o maior incentivador dessa guerra.

O poder de Erdogan é crescente. Cada vez mais desafiadora externamente, a Turquia se mete em diferentes teatros de operações: Líbia, Síria, Iraque, Grécia, Chipre e agora na celeuma entre Azerbaijão e Armêmia. Erdgoan não se limita a influência “espiritual” islâmica ou nas fronteiras da Turquia. Recentemente, a chancelaria turca negociou um acordo eleitoral entre o governo e a oposição na Venezuela.

Ou seja, a Turquia atua na América do Sul no espaço que o Brasil deixou. Na Era Lula, o Brasil tinha moral, influência, respeito e poder sobre os dois setores da política venezuelana. Tendo Bolsonaro transformado o Brasil em uma colônia dos EUA, toda capacidade de articulação se evaporou. Ernesto Araújo é só um cachorro dos americanos, que recebe qualquer funcionário dos EUA com língua de fora e abanando o rabo. Chega a ser constrangedor para os próprios americanos. Para os turcos foi uma para fincar os interesses no continente sul-americano.

O movimento no sentido inverso já existiu. Cabe lembrar que, com Lula, o Brasil chegou a se afirmar no Oriente Médio. Em 2010, EUA e Europa estavam pressionando o Irã por conta do programa nuclear. O país persa, comandado por Ahmadinejad, precisava do programa para fins pacíficos de geração de energia, as potências diziam que era um subterfúgio para produzir armas nucleares. Para marcar a posição e afirmar a soberania, o Irã bateu o pé. Chegou-se a um impasse. Nem a Rússia e nem a China queriam o desgaste da negociação, apesar de desejarem um acordo.

Líder egípcio diz querer aproveitar 'experiência democrática' do Brasil |  Brasil | G1
Mosri e Dilma

Coube a Lula e Erdogan entrarem em cena. Erdogan era visto – como ainda é – como ambíguo e, de certa forma, independente. Lula também era um independente líder popular de um país soberano, com bom trânsito tanto com Chavez quanto com Obama, com Evo e Sarkozy. O Irã aceitou o acordo proposto pela Turquia e pelo Brasil, que ia de encontro aos anseios americanos e europeus. De lambuja, alguns acordos políticos, diplomáticos e econômicos também foram assinados. Foi o ponto alto da política externa do Sul Global.

Ratificando a influência brasileira no Oriente Médio, o único presidente eleito democraticamente do Egito, Mohammed Mosri, visitou o Brasil, sendo recebido pela presidenta Dilma. Mosri foi eleito na esteira da revolução do Egito de 2011-2012. Um dos únicos países que visitou no curto mandato foi justamente o Brasil. Mosri era um grande aliado da Turquia e de Erdogan. A tentativa de aproximação com o Brasil era a busca por uma política externa independente e reconhecimento do papel brasileiro no mundo.

Presidente do Irã fala em reforma da ordem mundial, em reunião com Lula |  Política | G1
Lula com o Aiatolá Khomenei em 2010

Em um hipotético cenário sem golpe de 2016, Lula seria eleito em 2018. O Brasil não seria apenas um quintal dos EUA, comandado por maníacos, mas seria um player respeitado no mundo. Erdogan teria que ouvir Lula, não como superior ou inferior, mas como igual.

O pedido de Lula pelo cessar-fogo na Armênia seria uma construção política real. Dada a capacidade de influência, a articulação de Lula pela paz teria muito mais chance de sucesso que qualquer coisa do belicista Trump ou do humanista imperial Macron. As palavra de Lula pela paz encontrariam eco em todo Sul Global: América Latina, África e Ásia. Seria um outro mundo. Cabe torna-lo possível novamente.

Leia também: Armênia vs. Azerbaijão: os maus e os bons nesse conflito

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *