Como a invasão de mineiros ilegais está afetando a população Yanomami

Via Actualidad

A maior reserva indígena do Brasil vem sendo atacada há anos por garimpeiros ilegais, que disseminam doenças como a malária e a covida-19.

Crianças indígenas desnutridas, mineiros ilegais atacando aldeias, surtos de malária e lotes não testados de drogas enviados pelo governo para combater a covid-19.

As denúncias se repetem no mesmo ritmo dos pedidos de ajuda, mas a escalada dos conflitos na Terra Indígena Yanomami, entre os estados de Roraima e Amazonas e a fronteira com a Venezuela, não cessa.

Chegando em um barco a motor, um grupo de mineiros ilegais atacou a comunidade de Paliminú alguns dias atrás. As mães com seus bebês nos braços correram para se abrigar das balas e até mesmo a polícia que foi à área para investigar o que aconteceu foi baleada.

A situação é tão grave que esta semana Luis Roberto Barroso, juiz da Suprema Corte, ordenou ao governo que tomasse medidas imediatas para proteger as Terras Indígenas Yanomami e também a Mundurucu, no estado do Pará, no norte do país.

“Quando os ‘garimpeiros’ estão tão fortemente armados, você pode ver o dinheiro por trás disso”.

A atividade dos garimpeiros não é nova nos territórios Yanomami, que têm mais de 96.000 quilômetros quadrados – o dobro do tamanho da Suíça – onde vivem cerca de 28.000 indígenas em 360 aldeias. Mas os especialistas vêem uma mudança na figura do ‘garimpeiro’.

“Nos anos 80 e 90, o ‘garimpeiro’ era uma pessoa pobre à procura de trabalho, um salário. Empresários e pessoas com dinheiro pago por seus vôos e que cobravam uma taxa. Até certo ponto eles eram controlados por esses proprietários de empresas”, disse Fiona Watson, diretora de campanhas da Survival, à RT.

Agora muitos desses “garimpeiros” – estimados em mais de 20.000 – estão ligados a gangues como o Primeiro Comando da Capital (PCC), a mais poderosa organização criminosa do Brasil, que domina o tráfico de drogas em Roraima.

Uma aldeia Yanomami no estado de Roraima, Brasil. 18 de abril de 2016.

“Quando os ‘garimpeiros’ estão tão fortemente armados, você vê o dinheiro por trás dele. Eles enviam aviões, helicópteros, grandes quantidades de gasolina, o que implica pessoas por trás deles com muito dinheiro, interesses políticos e econômicos. Isto é muito preocupante”, disse Watson.

Associações como a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) denunciam que o Estado “promove a raiva gananciosa” do agronegócio, empresas mineradoras e fundos internacionais de investimento, o que “incentiva a ação dos traficantes de terra, invasores e tantos outros criminosos que continuam avançando em territórios indígenas”.

Especificamente, a mineração ilegal ocupou um total de 2.400 hectares na Terra Indígena Yanomami, o equivalente a 2.400 campos de futebol. Fotografias de satélite mostram o quanto foi destruído e como os mineiros se estabeleceram. “Eles têm vilarejos com campos de futebol, bares, restaurantes. Isto é algo relativamente novo. Não era assim nos anos 80”, diz Watson.

“Nem o exército, que tem quartéis na área há muitos, muitos anos, nem a polícia federal estão fazendo nada para impedir isso. Eles estão apenas sentados em suas mãos. Por quê? Por causa da pressão política e econômica”, ele lamenta.

O Estado Não Chega

Os garimpeiros agravam o desmatamento, a contaminação dos rios pelo uso de mercúrio, a violência contra as comunidades e a disseminação de doenças como a malária ou a covida-19. A foto de uma menina faminta descansando em uma rede em uma aldeia Yanomami e a morte alguns dias depois de um menino de um ano de idade pesando três quilos mais uma vez coloca o abandono desses povos sobre a mesa.

O acesso a seus vilarejos, localizados em densas regiões florestais e montanhosas, é complexo e envolve custos financeiros significativos. A instituição responsável pela prestação de serviços de saúde a essas comunidades é a Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) do Ministério da Saúde, que conta com 70 unidades básicas de saúde e mal cobre 20% das aldeias. Os médicos estão em falta.

“Estas unidades têm uma estrutura muito precária, feita de material improvisado, muitas vezes não muito resistente. É muito difícil ter uma equipe permanente de profissionais. Não há acomodações adequadas, não há água potável, não há banheiros. Sem médicos, esta assistência precária é ainda pior”, disse Paulo Basta, pesquisador da prestigiosa Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e especialista em saúde dos povos indígenas, à RT.

“Os povos indígenas sempre foram vistos como um obstáculo ao desenvolvimento do país, ocupando territórios de interesse econômico”.

A partir de 2013, com o programa More Doctors, promovido pela ex-presidente Dilma Rousseff, muitos médicos cubanos aceitaram empregos nesta área. Mas em 2018, Cuba decidiu retirar-se do programa depois que Bolsonaro impôs condições que ele considerava “inaceitáveis”. Os povos indígenas ficaram sem assistência e só no segundo semestre de 2019 é que os profissionais brasileiros treinados no exterior preencheram as vagas.

O especialista da Fiocruz explica que a maioria das visitas a estas comunidades são pontuais, uma vez por ano ou, na melhor das hipóteses, a cada seis meses. E quando chegam, muitas vezes não trazem remédios suficientes ou os certos.

Um médico examina um índio Yanomami durante a pandemia do coronavírus. Alto Alegre, Roraima.

“É um estado permanente de exclusão social que foi construído historicamente durante o processo de colonização do Brasil. Os povos indígenas sempre foram vistos como um obstáculo para o desenvolvimento do país, ocupando territórios de interesse econômico. Sempre houve uma postura discriminatória nas instituições governamentais. E isto se reflete nos serviços de saúde e nos serviços públicos em geral”, lamenta.

Por exemplo, a eletricidade. “Não se pode conservar os alimentos e estes têm que ser recolhidos e consumidos no mesmo dia”. Isso exige um esforço da família. Se um membro da família adoece com malária, eles não têm força para sair e caçar, e isso afeta o abastecimento alimentar de toda a família.

Além disso, a destruição da floresta pelos “garimpeiros” piora as coisas. “Quando entram no território, a primeira coisa que fazem é destruir a vegetação, cortar as árvores, poluir os rios e afugentar a fauna. Isto causa um desequilíbrio no sistema amazônico, muda a população de mosquitos e começam os surtos de malária”, diz ele.

Veneno para o corpo

Os ‘garimpeiros’ estão fortemente armados e realizam “todo tipo de agressões, homicídios, violência contra as mulheres, transmissão de doenças, como agora com a covid-19”, diz o pesquisador.

Basta dizer que a ausência total de autoridades e serviços adequados para a população faz com que alguns povos indígenas sejam “recrutados” por mineiros ilegais com a promessa de lhes dar “algum benefício que o Estado não oferece”, o que causa a desintegração social.

“Os pais que deveriam sair à procura de alimentos ricos em proteínas se envolvem com os ‘garimpeiros’, não voltam para casa, consomem álcool, drogas”, diz Basta.

O mercúrio é outro problema grave. O metal é usado na mineração para separar o ouro de outros sedimentos e é espalhado no solo ou na água do rio. As pessoas geralmente são contaminadas após comerem peixe infectado. Os bebês também são afetados.

“Eles nascem com um bom peso, mas quando são amamentados e entram em contato com o solo contaminado, surgem os primeiros sinais de diarréia e eles perdem peso. Começa um processo de desnutrição aguda, que junto com o cenário de escassez de alimentos e outras enfermidades os impedem de recuperar um peso normal e sofrem desnutrição durante toda sua infância”, lamenta.

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