Hoje na História: A ditadura assassina Carlos Marighella

Via Causa Operária

Há 52 anos, era covardemente executado em uma emboscada em São Paulo Carlos Marighella, político, escritor e guerrilheiro comunista marxista-leninista brasileiro e líder da Ação Libertadora Nacional (ANL).

No dia 4 de novembro de 1969, era assassinado o líder da guerrilha brasileira e da Ação Libertadora Nacional, Carlos Marighella. Em uma operação que foi planejada pelo tenebroso Sérgio Paranhos Fleury, delegado sanguinário do DOPS, Marighella foi assassinato em uma emboscada e foi alvejado por 5 tiros enquanto estava desarmado.

Antes de mais nada, é preciso fazer uma análise política objetiva da figura de Carlos Marighella. Há, tanto por parte da direita quanto por setores da esquerda, uma forte tendência a uma política de caráter religioso. Já não se trata de avaliar a trajetória política, mas de rotular os adversários e por em marcha uma crítica moral. Deste modo, vemos não apenas a direita, mas setores da própria esquerda, inclusive dos setores ditos revolucionários, que jogam lama por todos os lados em figuras como Marighella, que, como se sabe, declarava-se um stalinista.

A este respeito, se esta lógica fosse levada ao extremo, isto é, de forma consequente, teríamos que jogar na lata do lixo praticamente toda a produção intelectual da humanidade no século XX. Afinal, sabemos que os partidos comunistas agrupavam a nata da intelectualidade não apenas brasileira mas mundial. Significaria rejeitar nomes de gigantes como Oscar Nyemeier, Carlos Drummond de Andrade, Graciliano Ramos, e muitos outros, incluindo aí o próprio Carlos Marighella. Basta dizer que seu livro Minimanual do guerrilheiro urbano é uma obra muito influente, sendo inclusive estudada em instituições militares como um tipo de manual para a aplicação de golpes de Estado.

Além disto, é incorreto classificar os milhões de militantes dos partidos comunistas de todo o mundo como se fossem simplesmente estalinistas. Evidentemente que no período pós segunda guerra mundial, Stálin apareceu para praticamente todo o mundo como o responsável pela derrota do nazismo. Não foi o exército vermelho que derrotou o nazismo na Europa? O prestígio e a influência da figura de Stálin influenciou amplos setores da classe operária mundial, que eram potencialmente revolucionárias, ainda que represadas pela política confusa e oportunista do estalinismo.

É preciso ter uma análise clara do que foi o estalinismo. Sendo uma burocracia de que apoderou do controle do estado soviético, o estalinismo tinha diversos representantes que levavam a sua política nos diferentes países do mundo. Assim, o correto seria dizer que a direção do Partido Comunista era a maior representante do estalinismo no Brasil, e conseguia por uma série de manobras arrastar amplos setores da classe operária nacional, sem que estes setores fossem propriamente estalinistas. O caso de Marighella é esclarecedor, uma vez que ele rompeu posteriormente com a direção do PCB, que o levou à expulsão do Partido em 1967, tendo fundado posteriormente a ANL, já citada anteriormente. Vemos portanto que não se trata de um problema ideológico, a própria experiência política fez com que um elemento revolucionário como Marighella efetivamente rompesse com o PCB. 

Conforme dito anteriormente não se trata de fazer uma análise de tipo moral, assim como fazem os ditos “canceladores” nas redes sociais nos dias de hoje. Se fosse assim, um partido como o PCO teria todos os motivos para atacar a figura de Marighella, uma vez que ele perseguiu trotskistas na década de trinta a mando da direção estalinista. Por outro lado, o maior dos erros seria atacar esta liderança com base em considerações morais. Todo aquele que realmente possui um espírito revolucionário não pode deixar de considerar heróicos os esforços feitos por Marighella e a sua ANL, que colocaram a vida em risco lutando contra a terrível ditadura militar brasileira, nas condições mais adversas.

Embora sem dúvida alguma possamos considerar Carlos Marighella como um dos intelectuais brasileiros, o líder não chegou a concluir a carreira universitária. Em 1934 ele abandona o curso de Engenharia Civil na Escola Politécnica da Bahia para ingressar no PCB. Rapidamente tornou-se um militante profissional do partido, e foi deslocado da Bahia para o Rio de Janeiro, para organizar o PCB no local. Alguns anos depois organizou a perseguição aos trotskistas, já mencionada.

Após ser preso no ano de 1939, Marighella permaneceu preso por seis anos, quando foi solto devido à anistia do processo de redemocratização do país no período. Em 1946, é eleito deputado federal constituinte pelo PCB baiano, que tinha conseguido momentaneamente o seu registro partidário. Fica evidente que a eleição em 1946 é consequência direta da imagem vitoriosa que a União Soviética, e em particular Stálin, conseguiu diante da derrota do nazismo na Europa no ano seguinte.

Nos anos 50, ele passa dois anos na China, nos anos de 1953 e 1954, a convite do Comitê Central do Partido Comunista da China. Posteriormente, já nos anos 60 e após a política desastrosa levada adiante pelo PCB diante do golpe militar de 64, as tensões entre Marighella e a política da direção estalinista atingem as alturas. Em dezembro de 1966, Marighella renuncia à Comissão Executiva Nacional do PCB, sem no entanto se desligar completamente do partido, e no ano seguindo participa da famosa I Conferência da OLAS (Organização Latino-Americana de Solidariedade), em Havana, agosto de 1967. Acontecimentos políticos que reafirmam a necessária distinção entre o fenômeno do estalinismo propriamente dito e aqueles setores que, embora acompanhassem formalmente a União Soviética, levavam adiante uma política diferente, pela pressão da revolução.

Ainda em 1967 Marighella é finalmente expulso do PCB, e em fevereiro do ano seguinte funda a ANL. É dito que a ANL teria agrupado cerca de 10 mil ex-militantes do PCB, quer dizer, um racha muito amplo. Mesmo tendo realizado ações extraordinárias do ponto de vista militar, como assaltos a bancos,  carros e trens pagadores, e inclusive o sequestro de diplomatas, sendo o mais famoso o do estadunidense Charles Burke Elbrick em setembro de 1969, a ação guerrilheira não foi acompanhada de uma ampla agitação nas fábricas e no movimento camponês, de modo que a ditadura militar finalmente conseguiu estrangular a heróica empreitada.

Finalmente, no dia 4 de novembro, o delegado Fleury, através de informações obtidas por agentes norte-americanos, utilizou alguns frades dominicanos do bairro de Perdizes, São Paulo, com quem Marighella se encontrava e organizou a já citada emboscada. Carlos Marighella foi alvejado por 5 tiros e foi morto enquanto estava indefeso. Em suas posses foram encontradas duas cápsulas de cianureto e uma Taurus calibre 32, mostrando que o líder era um verdadeiro revolucionário, isto é, fazia o que pregava em seus ensinamentos. Mesmo após o assassinato de Marighella, a ANL continuou com suas atividades, até que foi completamente desmantelada no ano de 1974. A data da execução de Marighella, curiosamente, é muito próxima da data em que tomou posse o general mais sanguinário da ditadura de 1964, Emílio Garrastazu Médici.

Mesmo correndo o risco de ser repetitivo, é preciso passar a limpo a figura histórica de Marighella. Trata-se de um grande intelectual, homem prático e líder experiente, um revolucionário que colocou a própria vida em risco em nome dos seus ideais e concepções.


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