O Irã e a China turbinam as Novas Rotas da Seda

Via Asia Times | Tradução: Patricia Zimbres – 247

Por Pepe Escobar

Duas das grandes “ameaças estratégicas” aos Estados Unidos estão se aproximando cada vez mais no âmbito das Novas Rotas da Seda – o principal projeto de integração econômica unindo a totalidade da Eurásia. O Deep State não vai gostar muito.

O porta-voz do ministro iraniano das relações exteriores, Abbas Mousavi, tachou de “mentirosas” a série de boatos sobre o “mapa de trajeto transparente” incorporado à parceria estratégica Irã-China.

Essa informação foi complementada pelo chefe de gabinete do Presidente Rouhani, Mahmoud Vezi, que afirmou que “Uma linha de propaganda destrutiva foi iniciada fora do Irã e dirigida contra a expansão das relações do Irã com seus vizinhos e, especialmente, com a China e a Rússia”.

Vezi acrescentou: “Esse mapa de trajeto, no qual é definido um caminho para a expansão das relações entre governos e setores privados foi e continuará sendo assinado entre muitos países”.

Em grande medida, tanto Mousavi quanto Vezi estavam se referindo a uma matéria sensacionalista, que não acrescentou nada que já não fosse sabido sobre a parceria estratégica, mas que, como seria de se esperar, insinuava um grave alerta vermelho quanto à aliança militar.

A parceria estratégica Irã-China foi oficialmente criada em 2016, quando o Presidente Xi visitou Teerã. Estas são as diretrizes. 

Dois artigos entre os vinte listados no acordo são de particular relevância. 

O item 7 define a abrangência da parceria no âmbito da integração da Eurásia tal como vista pelas Novas Rotas da Seda: “O lado iraniano dá as boas-vindas à iniciativa do ‘Cinturão Econômico Rota da Seda e a Rota da Seda Marítima do século XXI’, introduzida pela China. Tirando partido de suas respectivas vantagens e pontos fortes, bem como das oportunidades criadas com a assinatura do ‘Memorando de Entendimento sobre a Promoção Conjunta do Cinturão Econômico das Rotas da Seda’ e do ‘Memorando de Entendimento sobre o Reforço das Capacidades Industriais e Minerais e dos Investimentos’, ambos os lados irão expandir a cooperação e os investimentos mútuos em diversas áreas, incluindo transportes, ferrovias, portos, energia, indústria, comércio e serviços”.

E o item 10 celebra a participação do Irã como ‘Membro Fundador’ do Banco Asiático de Investimentos em Infraestrutura. Ambas as partes dispõem-se a fortalecer sua cooperação nas áreas relevantes e unem seus esforços visando ao progresso e a prosperidade da Ásia. 

Então, qual é a desse acordo? 

O cerne da parceria estratégica Irã-China – o que não é segredo para ninguém desde pelo menos o ano passado – gira em torno do investimento chinês de 400 bilhões de dólares nos setores de energia e infraestrutura iranianos ao longo dos próximos 25 anos. Tudo isso para assegurar uma questão de suprema importância para o interesse nacional chinês: o fornecimento ininterrupto de petróleo e gás, contornando o perigoso gargalo do Estreito de Malaca, a um preço descontado em 18%, pago em yuans ou em uma cesta de moedas, e evitando o dólar norte-americano. 

Pequim investirá também cerca de 228 bilhões de dólares na infraestrutura iraniana – e é aí que entra o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura – ao longo de 25 anos, mas em especial até 2025. Esses investimentos abrangerão desde a construção de fábricas e a tão necessária renovação do setor energético até a construção, já em andamento, de uma ferrovia elétrica  de 900 quilômetros ligando Teerã a Mashhad. 

Teerã, Qom e Isfahan também serão ligadas por uma ferrovia de alta velocidade – e haverá também uma extensão para Tabriz, um importante nó de petróleo, gás e petroquímica, e o ponto de partida do gasoduto Tabriz-Ankara.    

Tudo isso faz total sentido em termos das Novas Rotas da Seda, uma vez que o Irã é uma importantíssima encruzilhada eurasiana. Ferrovias de alta velocidade cruzando o Irã ligarão Urumqi, em Xinjiang, a Teerã, passando por quatro “istãos” da Ásia Central (Cazaquistão, Quirguistão, Uzbequistão e Turcomenistão) e chegando até a Ásia Ocidental através do Iraque e da Turquia, e continuando em direção à Europa: um ressurgimento tecno das Antigas Rotas da Seda, onde a principal língua comercial entre Oriente e Ocidente, através do grande interior, era o persa. 

Os termos da cooperação aérea e naval entre o Irã e a China, e também com a Rússia, não foram ainda concluídos – segundo informações de fontes iranianas. E ninguém ainda teve acesso aos detalhes. O que Mousavi disse em um tuíte foi que “não há nada, no acordo, que trate de entregar ilhas iranianas à China, nada sobre a presença de forças militares, nem inverdades dessa natureza”. 

O mesmo se aplica às especulações – não-fundamentadas em provas de qualquer tipo – de que o Exército Popular de Libertação chinês teria permissão para estacionar tropas em território iraniano em bases cedidas pelo Irã.

No domingo passado, o ministro das Relações Exteriores Mohammad Javad Zarif ressaltou que o Irã e a China  estavam conduzindo negociações “com confiança e convicção”, e que não havia “nada de secreto” no acordo. 

Negociadores iranianos, chineses e russos irão se reunir no próximo mês para discutir os termos da cooperação militar entre os três maiores nós da integração eurasiana. Uma colaboração mais estreita está programada para começar em novembro. 

Em termos geopolíticos e geoeconômicos, a principal conclusão é que o implacável bloqueio da economia iraniana pelos Estados Unidos, que usa pesadíssimas sanções como arma, é impotente frente ao amplo acordo Irã-China. Aqui vai uma exposição decente sobre alguns dos fatores em jogo.

A parceria estratégica Irã-China é mais uma demonstração clara daquilo que poderia ser desconstruído como a cepa chinesa do excepcionalismo: uma mentalidade coletiva e planejamento organizado o suficiente para alcançar uma parceria econômica, política e militar ampla e vantajosas para todas as partes.    

É muito esclarecedor colocar todo o processo no contexto daquilo que o Conselheiro de Estado e Ministro das Relações Exteriores Wang Yi ressaltou em uma reunião de think-tanks chineses e norte-americanos, onde esteve presente, entre outros, Henry Kissinger.

“Um ponto de vista que vem circulando nos últimos anos alega que o sucesso da trajetória chinesa representará um golpe e uma ameaça ao sistema e à trajetória ocidentais. Essa alegação não é consistente com os fatos, e não concordamos com ela. Agressão e expansão nunca estiveram nos genes da nação chinesa no decorrer de seus 5.000 anos de história. A China não replica modelos de outros países e tampouco exporta seus próprios modelos. Nunca pedimos a outros países que copiem o que fazemos. Há mais de 2.500 anos, nossos antepassados defendiam que “Todas as coisas vivas podem crescer em harmonia sem agredirem-se umas às outras, e modos diferentes podem correr paralelos sem interferências mútuas”.

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