Governo angolano encerra templos da Igreja Universal do Reino de Deus
Via O Kwanza
Escrevo para dar parabéns a Angola. Muito acertada a decisão do Governo angolano em fechar os templos da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) em seu território. Escrevo como brasileira, que há anos observa a expansão do movimento evangélico no Brasil e seus impactos na política e na sociedade brasileira. Desde criança, via nos noticiários denúncias de charlatanismo e lavagem de dinheiro do bispo Edir Macedo, que se exibia em mansões suntuosas, lanchas caríssimas, enquanto seus fieis penhoravam suas moradias para os dízimos e garantir a salvação futura. No domingo seguinte, seus templos cada vez mais cheios.
A máquina da lavagem cerebral executada nestes templos é extremamente eficaz. Pastores eloquentes, teatrais, com discurso exaltado, são treinados para convencer a temerem o poder de Deus e comprarem um “pedacinho do céu”. Apresentam um código rígido de conduta moral no discurso, que persegue, julga, condena os “desviados”, mas na prática, muitos destes pastores são pedófilos, corruptores associados a crimes hediondos.
Nas últimas décadas vimos a explosão de células destas igrejas neopentecostais nas periferias brasileiras, em comunidades onde a ausência do Estado é gritante. Sem educação de qualidade, sem opções de lazer, sem perspectiva de futuro confortável na vida terrena, a população mais pobre parece ter encontrado nestas igrejas algum consolo, uma possibilidade de salvarem suas almas, uma oportunidade de “expulsarem os demônios”, que seriam os responsáveis pela violência, drogas, alcoolismo e outras mazelas sociais.
Se fosse só assim, estaria bom, mas não. O problema é que os evangélicos sempre quiserem impor sua moral cristã como lei universal. São estes pastores que inflamam a população contra as religiões de matriz africana no Brasil, ordenam a destruição de templos de umbandas e candomblé, chamam tudo de macumba e orientam o desprezo social pela cultura afro, sempre associada aos símbolos do “mal” nos discursos perniciosos. Assistimos atônitos a escalda da intolerância religiosa no Brasil, uma “demonização” dos ritos e cultos de origem africana e indígena de tal forma que beira ao genocídio. Parecem mesmo querer exterminar o “outro”, o “não-cristão”. É incrível como os fieis repetem as palavras preconceituosas e os olhares retrógados perpetuados nas igrejas evangélicas.
O principal problema é quando estes grupos religiosos resolvem ocupar o espaço político. A “bancada da Bíblia” no congresso nacional brasileiro não é recente. Eles sistematicamente foram concorrendo a cargos públicos e se elegendo com a imensa fortuna produzida pelos dízimos e pelo rebanho obediente de fieis. Os evangélicos foram uma importante base de apoio à eleição de Jair Bolsonaro. No culto populista do líder “messias”, o defensor das armas foi chamado de “ungido por Deus”. Nas igrejas, religiosos tiraram fotos de “arminha na mão”.
Eleito com uma pauta conservadora, o governo federal compôs seus ministérios por pessoas “terrivelmente evangélicas”, como a ministra Damares, acusada de envolvimento em redes de tráfico de crianças indígenas. Com um discurso radical contra o aborto e as “questões de gênero”, temos no Brasil hoje uma política que impõe padrões morais de uma religião. O Estado brasileiro é laico, assim está na constituição. Todas as religiões devem ser respeitadas e nenhuma religião deve ditar suas normas a toda a sociedade brasileira. Infelizmente não é o que vemos.
Ao contrário, assistimos missionários irem pregar aos indígenas isolados, vemos mulheres de militares utilizando a estrutura pública para maquiar mulheres indígenas com cosméticos importados e distribuir biscoitos industrializados e doces às crianças indígenas, tudo isso em plena pandemia.
Esta semana, em um dos mais dolorosos episódios da história recente, a ministra evangélica usou de seus poderes estatais para tentar dissuadir uma criança de 10 anos de seu direito legal de abortar um fruto de estupros contínuos. A criança foi violada por quatro anos consecutivos e a ministra da família está preocupada com o aborto! Silêncio sepulcral em relação ao crime de estupro, defesa tácita de pedófilos, estupradores que têm suas ações justificadas como “plano de Deus”. Vale lembrar que aborto em caso de estupro é garantido por lei no Brasil desde 1940 e poucos países do mundo negam este direito, principalmente quando a vítima é uma criancinha. O Brasil se transformou em um estado fundamentalista que impõe seus dogmas a toda população.
Por isso tudo, povo de Angola, comemoro sim a expulsão desse exército de pregadores do mal, que utilizam da fé para lucrar com o desespero do povo, que enxergam o diabo cristão em toda manifestação espiritual africana. Este bando é notoriamente composto por charlatões, que vendem “feijões ungidos” contra o covid, que abusam sexualmente das fieis por “vontade de Deus”, que passeiam em iates enquanto seu rebanho passa fome.
As denúncias que levaram ao confisco dos templos da IURD são de ordem tributária e fiscal. Imagina se fossem fazer a devassa no plano moral e espiritual… Estes mercadores da fé não merecem o dízimo do povo angolano, este Jesus branco machista e opressor que os evangélicos adoram nada tem a ver com a base cosmológica e espiritual angolana. É melhor mesmo expulsar esta corrente que pode proliferar intolerâncias de ordem religiosa aos cultos e ritos tradicionais centro-africanos.