A questão energética por trás do conflito em Gaza

Via SputnikBrasil

Há poucas semanas antes do conflito entre Israel e as forças do Hamas em Gaza, Netanyahu foi à ONU e declarou um novo plano para o Oriente Médio, envolvendo a construção de um corredor econômico que ligaria a Índia à Europa através do território de Israel. Tratava-se da mais importante sinalização política por parte do líder israelense ao Ocidente.

O projeto a que Netanyahu fez alusão trata-se de um corredor econômico que se estende desde a Índia até os Emirados Árabes Unidos, passando pela Arábia Saudita, Jordânia, Israel e, finalmente, seguindo em direção ao continente europeu. Em suma, esta nada mais é do que uma resposta tardia esboçada e apoiada pelos Estados Unidos à Nova Rota da Seda de Xi Jinping, que há tempos tem preocupado a Casa Branca. Afinal, os americanos veem sua influência diminuir rapidamente na arena global não somente por conta do projeto chinês, como também em função da perda de confiança internacional no dólar causada após a aplicação de sanções econômicas unilaterais contra a Rússia desde o ano passado.

Em paralelo, dado o ganho de importância adquirido pela China ao longo dos últimos anos, os americanos têm usado seu principal aliado no Oriente Médio, justamente Israel, para encabeçar um projeto rival de infraestrutura energética regional, que conta com o apoio de países árabes amigáveis a Washington. Está em curso, portanto, uma disputa geopolítica pelo futuro do Oriente Médio. Diante desse contexto, é importante se lembrar da visita que o presidente Bashar al-Assad fez à China em setembro, assinando um acordo de parceria estratégica com Pequim que agora o coloca mais uma vez em uma posição de alvo do Ocidente.

Isso porque a Nova Rota da Seda proposta por Xi Jinping em 2013 conta agora com um potencial acesso direto ao mar Mediterrâneo através de portos no litoral da Síria. Pode-se esperar, portanto, por uma nova tentativa ocidental de desestabilização do governo Assad, que já teve início por conta dos ataques de Israel a aeroportos sírios desde o dia 7. Isso é apenas o começo de uma série de ações que visarão incitar o caos no país árabe. Aliás, a Síria encontra-se parcialmente ocupada por tropas americanas, justamente em suas regiões produtoras de petróleo.

E aqui chegamos ao ponto principal de toda a questão. Afinal, quando se fala de Oriente Médio, é impossível deixar de lado o fator energético. Ora, por ser rico em petróleo e gás natural, a região tem sido alvo frequente da atenção de americanos e europeus desde meados do século XX. Diante desse quadro é que Israel hoje se propõe a ser um hub de fornecimento de gás à Europa, sobretudo em função dos cortes aprovados pela União Europeia às importações de commodities da Rússia a partir de 2022. Não à toa, um acordo de fornecimento de energia trilateral fora assinado em junho do ano passado entre a União Europeia, o Egito e Israel, acordo esse que desempenha um papel importante na estratégia econômica do Ocidente de tentar se livrar da energia russa.

É preciso ter em mente que: há alguns anos, os europeus realizaram uma pesquisa geológica na porção leste do mar Mediterrâneo, encontrando então uma enorme bacia de gás natural na região, apelidada de Leviatã. Essa bacia localiza-se justamente dentro das zonas econômicas marítimas de Israel e da Palestina (no que toca à Faixa de Gaza), além da Síria e do Líbano. Assim sendo, caso Israel desmantele o comando do Hamas em Gaza e estabeleça de fato o controle político da região, como pretende Netanyahu, o governo de Tel Aviv deterá o controle da maior parte dessa bacia, levando a cabo o projeto de se tornar um dos principais hubs de fornecimento energético à Europa.

Desnuda-se, assim, o caráter energético subjacente ao conflito hoje na Faixa de Gaza, em que o Ocidente (capitaneado pelos Estados Unidos) correu para apoiar Israel de forma incondicional, independentemente das atrocidades cometidas pelos ataques de Tel Aviv no enclave palestino, que já resultaram em mais de 11 mil mortos. Israel, por sua vez, como Estado-chave para a manutenção da hegemonia regional estadunidense, tenta explorar a situação para seu próprio benefício, usando os ataques do Hamas no dia 7 de outubro como justificativa para agir sem quaisquer considerações pelas perdas humanas oriundas de sua resposta evidentemente desproporcional.

Quando, em contrapartida, o Conselho de Segurança da ONU tentou resolver o conflito no Oriente Médio de forma diplomática, os Estados Unidos (principal parceiro político de Israel) repetidamente vetaram as propostas de resolução pedindo um cessar-fogo em Gaza. Gaza que, aliás, está justamente de frente de boa parte da bacia de Leviatã, mas que não possui quaisquer condições atuais de a explorar. Vale lembrar que Israel tem bloqueado Gaza no mar Mediterrâneo pelo menos desde 2007. Hoje, por sua vez, com a perspectiva de controlar toda a região em um futuro próximo, Tel Aviv não só obterá pleno domínio da porção palestina do gás natural existente na bacia de Leviatã, como também atenderá por tabela aos interesses geoeconômicos do Ocidente no Oriente Médio.

E assim os Estados Unidos, principais arquitetos por trás da chamada independência europeia do gás russo, alcançam mais um objetivo de longa data de sua política externa. Primeiro, fortalecem a posição de seu principal parceiro no Oriente Médio, a saber, de Israel, e em segundo lugar ajudam os europeus a não mais comprar a energia russa. Todos esses fatores fazem do conflito na Faixa de Gaza um momento essencial para a estratégia americana na região. Em outras palavras, pela desestabilização do Oriente Médio os Estados Unidos (através de Israel) eliminam a concorrência dos russos no mercado energético europeu, ao mesmo tempo em que buscam controlar os recursos naturais da região por meio de parcerias com países como Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos. Enquanto isso acontece, Israel tenta empurrar os palestinos para o Egito e a Jordânia, no intuito de extinguir a questão palestina de uma vez por todas.

Novamente, o mundo testemunha o desenrolar de um conflito sangrento que, no final das contas, atende aos interesses geopolíticos de Washington. Leviatã, por fim, refere-se a um monstro marinho encontrado em alguns relatos espalhados pelo Velho Testamento. Tudo parece estar conectado então. Afinal, o monstro da vez no Oriente Médio trata-se de uma potência do mar, banhada por dois oceanos, de um lado pelo Pacífico e de outro pelo Atlântico.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *