Níger, Mali e Burkina Faso se erguem contra o imperialismo na África, avaliam especialistas

Via RadioSputnikBrasil

Os chefes de Estado de Níger, Mali e Burkina Faso se reuniram pela primeira vez no início do mês em Niamey, capital do Níger, onde criaram a Confederação da Aliança dos Estados do Sahel. O novo bloco africano não só é reflexo do fracasso das políticas do Ocidente para a África, como também pode redesenhar o futuro do continente, disseram analistas.

Recém-criada, a Confederação do Sahel surge como um novo polo geopolítico na África Ocidental. O que levou à criação do bloco? Quais são seus objetivos? Essas e outras questões foram abordadas no Mundioka desta sexta-feira (26), podcast da Sputnik Brasil apresentado pelos jornalistas Melina Saad e Marcelo Castilho.

Do macro ao micro: por que a Confederação foi criada?

Os entrevistados do Mundioka apontaram diversos motivos que culminaram na necessidade de Mali, Burkina Faso e Níger criarem a Confederação do Sahel, como a necessidade de defesa mútua.

Em termos históricos recentes, aponta Rafaela Serpa, doutoranda em ciência política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a intervenção da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) na Líbia, em 2011, criou um grande problema de terrorismo na região, com vários grupos ligados à Al-Qaeda e ao Estado Islâmico (organizações terroristas proibidas na Rússia e em vários outros países) atuando na região.

“Mais de dez anos depois, esses grupos permanecem fortes, inclusive depois de operações na região lideradas pela França, como a Barkhane e a Operação Serval.”

Mal resolvida pelo Ocidente, a violência na região precipitou a criação de novos governos militarmente fortes.

Só que ao assumirem o poder, essas novas lideranças se viram na mira da Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), que impôs sanções econômicas e ameaçou uma intervenção militar no Níger para restaurar o antigo presidente.

“A CEDEAO acabou se colocando como um braço auxiliar da política da França e de outras potências no continente.”

Segundo Sofonias Lopes Jó, pesquisador do Grupo de Estudos em Capacidade Estatal, Segurança e Defesa (Gecap) ligado à Faculdade de Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), esse caráter da CEDEAO fica evidente ao observar como a organização se portou diante de outras mudanças de governo na região.

“O ex-presidente Macky Sall, do Senegal, queria fazer um terceiro mandato mesmo contra a Constituição. Qual foi a posição da CEDEAO perante isso? Nada. Há um golpe institucional em Guiné-Bissau em 2020 com o presidente Umaro Sissoco Embaló. Qual a posição da CEDEAO? Nada.”

“Todos esses representam interesses do imperialismo francês.”

Essa característica, diz Charles Pennaforte, professor e coordenador do Laboratório de Geopolítica, Relações Internacionais e Movimentos Antissistêmicos (LabGRIMA) da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), aponta para os grandes motivos geopolíticos que levaram à criação da confederação.

“A África hoje é um palco de disputa de grandes potências geopolíticas”, diz Pennaforte, e a França, que colonizou e ainda mantém grande influência política e econômica na região, “pouco ofereceu de concreto para esses países”.

“A África tem opções que não passam mais pela Europa e pelos Estados Unidos […]. Há a presença da China, da Rússia e da Índia olhando com uma vontade maior para o continente.”

Nesse sentido, a criação da confederação é uma tentativa de buscar um caminho próprio e alternativo de integração e autonomia, dizem os analistas. “E quem aparece nesses cenários?”, questiona Pennaforte, “Países que, de alguma forma, também são sancionados” e têm importância no xadrez geopolítico global, como é o caso da Rússia, do Irã e da Turquia.

O que significa a criação de uma confederação entre os 3 países africanos?

Assinado em 6 de julho em Niamey, o estatuto da confederação iniciou um processo maior de integração entre esses Estados, desde uma maior coordenação militar, como a criação de uma força de segurança unificada e o “desenvolvimento de novas instituições de apoio”, detalha Serpa.

“Haverá uma presidência rotativa e um Parlamento para implementar os objetivos da aliança.”

Dentre essas metas está a unificação das relações diplomáticas com o exterior — “as relações com cada país agora precisam ser com os três” —, o livre movimento de pessoas, bens e serviços (que já existia na CEDEAO), a criação de um banco de investimentos, um fundo de estabilização e a cooperação em setores estratégicos, como água, agricultura e energia.

O grande destaque, contudo, é o aumento da cooperação econômica como forma de diminuir a dependência do Ocidente.

“Eles querem sair da zona do franco CFA, mas ainda não se delineou um plano de como vai ser isso.”

Para Jó, as divisões criadas pela França na região se mantêm após a independência, criando similaridades entre esses países que podem alimentar a União. Por isso, não é impensável a expansão da confederação para incluir os outros países do chamado G5 do Sahel, Chade e Mauritânia ou, ainda, o Senegal, que começa a se alinhar ideologicamente com o trio.

“A região do Sahel já é unida de forma cultural”, afirmou. “E essa ligação faz com que eles consigam se unir [politicamente] entre eles.”

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