PAÍS PERNAMBUCO, UBERIZAÇÃO & COVID-19

Por Caio Lavor

No dia 6 de Março de 1817 eclodiu a Revolução Pernambucana. Feriado na cidade do Recife, a Data Magna é de suma importância no calendário dos pernambucanos, que se orgulham do tom heroico de tal conquista. 

O estopim da revolta se deu quando o capitão revolucionário José de Barros Lima, conhecido como “Leão Coroado” – que é também o nome de uma das nações de Maracatu mais antigas do Estado, Maracatu Leão Coroado (1863) -, matou com golpes de espadas o comandante Barbosa de Castro e, na companhia de outros militares rebelados, tomou o quartel, erguendo trincheiras nas ruas vizinhas e impedindo o avanço das tropas monarquista. Isso fez com que o governador da época fugisse com sua tropa para um famoso forte da cidade. 

Mas o representante da família real não esperava que o ambicioso plano de tomar o poder estatal já estava articulado pelos líderes da revolução: Domingos José Martins e Padre João Ribeiro Ferreira, amparados por vários outros, como Cruz Cabugá, Frei Caneca e Gervásio Pires, tomaram o poder, assumindo o controle do Estado de Pernambuco. Assim aconteceu a independência de um estado, insatisfeito em pagar os altos impostos exigidos por Portugal.

Dois séculos distanciam o marco histórico da atualidade, mas o cenário de opressão da massa pernambucana por aqueles que a representa permanece nítida. Em uma volta rápida pelo bairro de Boa Viagem, nicho da classe média-alta recifense, o número de entregadores com suas bags multicoloridas impressiona: a situação dos trabalhadores informais, que se aglomeram em frente ao McDonald’s em plena crise global sanitária do Covid-19, é de calamidade pública – arriscam a vida por estarem na linha de frente da contaminação e disseminação do vírus. Mas em um país onde 80 milhões de jovens de 18 a 29 anos não concluíram a Educação Básica, qual seria a outra opção? Quais direitos essa população possui? A necessidade de levar o sustento para casa empurra essas pessoas a condições insalubres, tendo os direitos trabalhistas usurpados e violados por multinacionais, como a norte-americana Uber, e suas cópias latino-americanas Ifood e Rappi. Empresas se aproveitam da mão de obra barata e de leis falhas ou golpistas – como a reforma da CLT instaurada em 2015 -, colocando grande parte dos trabalhadores brasileiros a mercê desses aplicativos.

Ao lado do mangue e também beirando a praia, o bairro do Pina, vizinho ao de Boa viagem, resguarda os valores de suas comunidades com seus terreiros de candomblé e suas nações de maracatu, sobrevivendo frente a enorme especulação imobiliária. Esses dois bairros são os maiores focos do vírus no estado, que já soma 48 casos confirmados e três mortes. Os primeiros infectados foram um casal morador de Boa Viagem que retornou da Itália, e o terceiro foi justamente a empregada doméstica, moradora do bairro vizinho. Um panorama que se repetiu em todo o Brasil nessa primeira disseminação do vírus: a classe média-alta, que retornou da Europa já infectada pelo Covid-19, contaminou a classe trabalhadora que lhe serve; e essa população vulnerável sobrevive todos os dias sem garantia alguma, sendo privada de seus direitos trabalhistas e da própria vida. De fato, só saberemos como sucederá mais profundamente a crise global do Coronavírus em países latino-americanos nas próximas semanas; entretanto o tratamento das classes trabalhadoras como peças descartáveis e com direitos violados, isso já conhecemos há tempos. 

O país Pernambuco, por ser do continente Nordeste, e portanto na periferia do centro do capital brasileiro, amarga, desde o início do atual governo, um status semelhante ao que outros países na periferia do capitalismo ocupam no seio do cenário mundial. Enquanto o Brasil de Bolsonaro retira verbas substanciais do Bolsa-Família devidas aos Estados do Nordeste e compra briga com governadores, isolando-os do orçamento do governo federal, o império norte-americano tenta asfixiar países na periferia no capitalismo global, como Irã e Venezuela, no esteio da política externa do “regime change”. Enquanto o governo federal se nega a aumentar a capacidade do SUS no nordeste ou atender os pedidos dos governadores para enfrentar a crise do coronavírus, o patrão Trump endurece os embargos econômicos impostos a Irã e Venezuela em plena pandemia humanitária. Trump não se importa com vidas humanas, assim como o falso patriota Bolsonaro tampouco se importa com a vida de brasileiros nordestinos. Trump exige que os países em crise pela pandemia não recebam a ajuda humanitária dos médicos cubanos. Aqui, Bolsonaro não revalida nem convoca médicos, quem dirá os cubanos. 

A marcha da insensatez é calculada: usa-se o aparato policial e jurídico para acusar mentirosamente Maduro de tráfico internacional de drogas na mesma medida em que Moro fecha a fronteira venezuelana fingindo se tratar de cautela com a Covid-19. A política de Bolsonaro para o Nordeste, ainda que não idêntica, é simétrica à política externa de Trump: se o país não é alinhado, “change the regime”; se o Estado é governado por grupos políticos não-bolsonaristas, desestabilize-o e inviabilize-o, até que algum motim de policiais ou outra sabotagem faça com que o governo mude. Esquecido por seus Estados-irmãos do Sudeste, o Consórcio do Nordeste sabe que, não havendo tempo a perder, celebrar parcerias com a China é sua melhor opção, tanto quanto a China e a Rússia, em âmbito global, não perderão tempo em oferecer auxílio para os países encurralados em suas quarentenas, sejam eles o Irã e a Venezuela ou a já combalida Itália, esquecida por seus irmãos europeus.

Assim como o monarca fugiu em 1817, que os antepassados de glória dessa classe trabalhadora Pernambucana possam iluminar seu povo diante da luta em favor dos seus direitos, contra o extermínio dos seus e que também coloquem para correr esse energúmeno à frente da presidência.

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