CONFUSÃO VIRULENTA – A TÁTICA BOLSONARISTA PARA FUGIR DA RESPONSABILIDADE PELA CRISE DO CORONAVÍRUS

Por Victor Pitanga e Matheus Mendes

“É preciso admitir que a doença da alma é a demência. Mas há dois tipos de demência: a loucura e a ignorância”. Assim Platão se expressa em seu diálogo “Timeu” acerca da falta de virtude da alma humana — a doença da desrazão. 

No Brasil, o funcionário de Donald Trump que ocupa a cadeira de chefe do Executivo, o lambe-saco e já infectado Bolsonaro, fez um pronunciamento absurdo na noite de terça-feira (24/03/2020) sobre a atual situação da pandemia do Covid-19. O absurdo do pronunciamento consiste na combinação dos dois tipos de demência apontados por Platão: a loucura e a ignorância. 

Não que Bolsonaro seja o louco como o entendemos, aquele da condição psiquiátrica, nem que seja o ignorante desprovido de informações. Na verdade, ele é a besta demente completa: finge ser louco como tática para mobilizar sua militância mais ideológica e apregoa ignorância como propaganda para alcançar os objetivos de seu projeto pessoal de poder.

Contrário às ações de governadores e ao ‘poder paralelo’ dos outros poderes da República encabeçado por Maia e o STF, Bolsonaro seguiu a linha defendida pelo presidente norte-americano, Donald Trump, de um eventual retorno à normalidade e retomada dos negócios. Atacou novamente a ‘histeria’ promovida pela imprensa e desacreditou todas as evidências científicas que apontam a seriedade da pandemia.

A tática de Bolsonaro é tão simples quanto aparenta ser, e está sempre adiantada com relação a seus opositores. Enquanto os opositores dão um tímido passo adiante, Bolsonaro e os interesses que ele representa dão duas ou três passadas à frente.

Em um simples pronunciamento de Rádio e TV, Bolsonaro conseguiu avançar, em uma jogada só, ao menos oito importantes posições: 

  1. insuflou sua militância mais ideológica e orgânica, mesmo que esta seja apenas virtual e composta por bots. Fez coro com o olavismo negacionista da pandemia do coronavírus e municiou seus seguidores de argumentos e hashtags para tumultuar, em repleta confusão, as redes sociais, num claro movimento de guerra híbrida, na qual a narrativa dos fatos se sobrepõem aos próprios fatos. Desinformar e confundir como tática para hegemonizar o discurso. Enquanto eles desinformam e confundem, nós ficamos desmentindo e dando ibope, sem contudo nos organizar para combatê-los;
  2. jogou a responsabilidade da contenção da epidemia para os governos estaduais e prefeituras, tirando do governo federal, de uma só vez, tanto o fardo sanitário de conter no âmbito da saúde sua maior crise, quanto o fardo orçamentário que a crise exige, lavando as mãos do núcleo neoliberal do governo encabeçado por Guedes;
  3. ainda, conseguiu responsabilizar os governadores pela recessão econômica que virá, preparando a narrativa que será utilizada para fins eleitorais, num claro movimento de antecipação, principalmente contra seus ex-aliados que possuem pretensões políticas de tomar o seu posto, em especial Dória e Witzel, atuais heróis da imprensa corporativa no combate ao Covid-19;
  4. também atacou a imprensa que não faz coro a seu governo, em especial a Globo, mas cujo ataque se estende também à Folha, CNN, Estadão e a mídia “de esquerda”, direcionando as mídias que são suas aliadas (Record, SBT, algumas igrejas neopentecostais, twitter, etc) em sua defesa;
  5. tão ou mais relevante, Bolsonaro ainda conseguiu ampliar a voz de uma fração do empresariado que o elegeu e consiste em sua atual base de sustentação burguesa. Roberto Justus e o dono do Madero já haviam declarado que 5 ou 7 mil mortes de brasileiros pouco importam comparado ao lucro que estão perdendo, de modo que a compensação econômica pela morte de milhares de brasileiros é plenamente justificável e válida. Frações relevantes do setor de comércio e da indústria brasileira estão em consonância no projeto de economia da morte de Bolsonaro e militares;
  6. nesse sentido, com a confusão instalada pelo pronunciamento, o governo federal conseguiu esconder e silenciar tanto os discursos críticos à Medida Provisória que fragiliza os direitos trabalhistas (ainda que sem o art. 18 da suspensão dos salários), como os questionamentos à Medida Provisória que suspende os efeitos da Lei de Acesso à Informação. Com essas MPs estabilizadas, Bolsonaro oferece uma economia aos empresários e consegue criar as condições para a falsificação dos dados do Ministério da Saúde sobre o coronavírus. As mortes poderão ser agora escondidas, tal como ditaduras militares costumam fazer;
  7. por esta razão Bolsonaro faz confusão no seio da população: para grande parte da população cujo trabalho é informal e não possui meios de renda alternativos senão a busca diária do ganha-pão em bicos e serviços precarizados, a crise econômica será devastadora e representa a fome, de modo que tirar a responsabilidade do governo federal por ela é essencial para manter fidelizada parte do seu eleitorado que vem dessas camadas precarizadas e lumpremproletarizadas;
  8. finalmente, Bolsonaro clama que seus funcionários em peças chaves da burocracia governamental se alinhem totalmente a ele, caso contrário serão defenestrados. Com isso, no dia seguinte ao pronunciamento, assistimos o ministro da Saúde remodelar seu discurso, atenuando a necessidade da quarentena. Ao botar gás no trator de massacre aos direitos da população, a base parlamentar fiel ao bolsonarismo se movimenta e já começam a pulular, no âmbito das diversas assembleias estaduais, projetos de lei que retiram uma série de direitos, a exemplo do projeto de lei que libera o ensino à distância na Assembleia do Estado do Rio de Janerio (Alerj), ou os que reduzem o salário dos servidores públicos durante a crise, em diversos estados da federação. 

Na queda de braço da alta cúpula política, o isolamento do poder Executivo frente aos demais poderes fortalece o discurso de impeachment entre setores não-alinhados da direita, centro e esquerda. Entre bolsonaristas, discute-se a possibilidade de um golpe contra o presidente, contra o qual a saída bolsonarista seria o verdadeiro golpe finalmente efetivado. Um jipe com um cabo e um soldado. Ou então o já anunciado auto-golpe, pelo qual o executivo usurparia as funções dos demais poderes. 

Mourão, aliado e adido militar de Bolsonaro, junto com a cúpula militar do planalto, não parece demonstrar interesse em retirar o presidente de seu cargo, assumindo para si a bomba econômica por vir. Os militares são o planalto, e agora que compraram a farsa, já estão todos infectados por ela. Estão todos juntos alinhados aos interesses econômicos e coloniais do imperialismo norte-americano, em total sintonia com o projeto político internacional de Steve Bannon e Trump. Regimes de exceção oportunizados por uma pandemia consistem em uma janela de oportunidade singular.

As próximas eleições e o próprio sistema representativo brasileiro estão em jogo no momento. O coronavírus acentuou a crise política no governo e a cisão entre os poderes, colocando em cheque as eleições municipais. 

Talvez os únicos consensos no jogo de poder da burguesia sejam a iminência de demissões em massa, desemprego e diminuição da renda da maior parte dos trabalhadores brasileiros. O presidente afirma proteger a população quando age contra assalariados e informais, na contramão dos outros poderes e de membros do seu próprio governo.

Isso talvez explique o vazamento ao Intercept-Br do impressionante relatório da Abin prevendo a morte de 5 mil brasileiros em duas semanas, provavelmente vazado pelos governadores opositores.

Preocupado com a reeleição, não faltarão argumentos para culpar governadores e parlamento pela situação econômica que se desenha. O isolamento do alto escalão do executivo nacional fortalece as teses conspiracionistas da família Bolsonaro, Olavo de Carvalho e seus correligionários. O discurso do ungido de Deus contra as forças ocultas está pronto. 2022 é logo ali.

Com um enorme agravante: o que veio explicitar a necessidade de ir às ruas para derrubar o presidente é aquilo mesmo que nos impede de ir às ruas para derrubá-lo.

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