A BATALHA POR EL DORADO: DO GOVERNO PT AO GOLPE PARLAMENTAR [parte 5]
Por Victor Pitanga e Mariana Rocha
“[…] um insensato modelo de pensamento e ação que subjugou o mundo nas últimas décadas”
Um muro caiu do outro lado do mar e tremeu a terra inteira. Os anos noventa do século passado redesenharam o mapa, reajustaram os pesos na balança e consolidaram os Estados Unidos à frente da escalada neoliberal global.
Para a América Latina, não havia mais necessidade de ditadores se a democracia garantiria lucros mais estáveis e a “guerra ao tráfico” faria o trabalho sujo. A desigualdade socioeconômica galopante, orquestrada ao longo dos anos de regimes ditatoriais, se agravou ainda mais durante os anos de democracia neoliberal: Carlos Menem na Argentina, Patricio Aylwin no Chile, Fernando Herique no Brasil.
Em resistência ao avanço da política neoliberal, manifestações contra o capitalismo global e a hegemonia estadunidense ocuparam ruas e televisores no mundo todo. Seattle e Gênova foram testemunhas. Movimentos sociais e sindicais reivindicavam participação no governo pautando a soberania e o combate à pobreza.
A virada do século vinte um viu o mundo tremer novamente com o desabamento de duas torres em Nova Iorque. Na periferia do capitalismo, as ex-colônias subdesenvolvidas se propuseram a pressionar a balança que sempre as manteve sob jugo de forças externas. Esse movimento germinou as eleições de Evo Morales na Bolívia, Hugo Chávez na Venezuela e Lula no Brasil.
O governo Lula encabeçou a maior política de combate à pobreza e distribuição de renda da história do Brasil. Levando luz e saneamento às regiões mais pobres do país, a política do governo petista transformou a vida de milhares de indígenas, ribeirinhos e outros povos da floresta. Todavia, as demarcações de terras, dever do Estado, não ensejaram prioridade e muitos dos procedimentos demarcatórios estagnaram durante os dois mandatos. Poucas foram as terras regularizadas pelo presidente Lula, o líder do Partido dos Trabalhadores foi responsável pela homologação 88 terras, sendo que muitas delas tiveram seus procedimentos demarcatórios iniciados em governos anteriores.
O desmatamento teve um pico em 2004 e uma década de decrescimento nos anos seguintes, contudo a devastação do Cerrado chama atenção, o bioma brasileiro foi classificado como hotspot durante o governo petista, ou seja, durante a primeira década dos anos 2000 cerca de 70% do bioma foi destruído, tornando-se ponto de alerta para a comunidade científica. Ainda no centro-oeste, a aliança de Lula com Blairo Maggi predispôs o governo a uma política de incentivo ao agronegócio em detrimento às políticas de distribuição de terras. A modernização da matriz energética e as diversas obras de infraestrutura realizadas nesse período, no entanto, constrangeram os ânimos dos movimentos indígena, indigenista e de outras aglomerações sociais ligadas à terra. Os crescentes conflitos agrários e o assassinato de lideranças indígenas e camponesas se mantiveram. A política de demarcação de terras foi reduzida com a demora dos processos judiciais e a pressão de grileiros, pecuaristas e agroexportadores cada vez mais fortalecidos pelo alto preço de exportação das commodities brasileiras.
Apesar dos avanços na legislação ambiental, a criação e fortalecimento de órgãos e instituições destinados à preservação da floresta, o governo Lula foi duramente criticado pela imprensa e pelo movimento ambientalista internacional. A economia brasileira, cada vez mais alinhada ao desenvolvimento da América Latina e ao Sul geopolítico, com grande parte dos recursos hidrominerais sob a gerência do Estado, desagradava cada vez mais à política imperialista de Washington. O lobby financista estrangeiro aumentou a pressão em 2010 com a impossibilidade de Lula concorrer à segunda reeleição.
Com a eleição de Dilma Rousseff, em 2011, a bancada ruralista em parceria com a direita neoliberal começou a impossibilitar o governo através da manipulação das eleições nas câmaras. A mídia corporativa honrou o compromisso ao capital que serve; engrossou o coro que deslegitimava um governo eleito democraticamente dando voz a infundadas acusações de corrupção da presidenta.
Os vetos da presidenta ao ‘Código Florestal’, votado em 2012 para atualizar o anterior de 1965, visavam beneficiar pequenos produtores, favorecer as áreas preservadas e dissolver a anistia aos desmatadores que havia sido encabeçada pelo Parlamento. O movimento foi duramente criticado pela grande mídia e oposição que enredavam, cada vez mais, um caráter impositivo e antidemocrático de um governo que não cedia à pressão do mercado em detrimento dos interesses nacionais.
Um caso marcante da narrativa midiática foi a invasão da terra indígena Apyka’i no município de Dourados, no Mato Grosso do Sul. Enquanto grileiros e pecuaristas expulsavam os povos Guarani e Kaiowa de seu tekoha, lugar de origem e espiritualidade, com tiros e rojões, a atenção midiática se voltava à suposta inércia e conivência do poder federal. Pouca ou nenhuma atenção foi dada à relação da bancada ruralista com o empresariado transnacional.
A usina de Belo Monte, quarta maior do mundo, foi outro ponto de atrito entre movimentos sociais e a visão desenvolvimentista do governo. Inaugurada em 2015, no Pará, a usina removeu mais de 20 mil pessoas, entre indígenas e ribeirinhos, de suas comunidades. A pesca, tradicionalmente principal atividade econômica e de subsistência na região, foi impossibilitada pela barragem. Para além do impacto ambiental, desemprego e miséria assolaram a região de Altamira. Dilma foi responsabilizada, quase exclusivamente, pelo projeto, criado ainda no governo militar.
A regra é clara e todos os caminhos levam a Wall Street: enquanto o mercado impõe austeridade, expansão e desenvolvimento; ecologia e ambientalismo se tornam ideologia neocolonial frente à industrialização tardia do Terceiro Mundo.
O portal Wikileaks divulgou, ainda em 2012, que empresas privadas estadunidenses forneciam informações e arquivos do email da presidenta do Brasil, de ministros brasileiros e de empresas estatais como a Petrobrás, a empresas e órgãos de inteligência dos EUA. As provas de espionagem não foram suficientes para o monopólio midiático abandonar a narrativa fraudulenta e assumir o que se tornava cada vez mais óbvio. Dois anos mais tarde, uma operação da Polícia Federal acerca de denúncias de lavagem de dinheiro em postos de gasolina se tornaria um consórcio entre o tribunal regional de Curitiba e o departamento de justiça dos Estados Unidos. Com a evolução das investigações, os principais alvos da operação se tornaram Dilma, ex-presidente Lula, funcionários do governo e presidentes de empresas brasileiras.
O ‘combate à corrupção’ desempenhado pela operação foi a narrativa necessária à intervenção estrangeira na política brasileira. Um acordo nacional, com o Supremo, com tudo, foi costurado para que os recursos brasileiros voltassem às mãos de especuladores e contrabandistas. Em 2016, Dilma foi impedida de continuar seu mandato dando lugar ao vice, Michel Temer.