A desistência de Freixo: perspectiva eleitoral e derrota política

Por Luã Reis- Em entrevista ao Globo, Marcelo Freixo anunciou a saída da disputa da eleição municipal do Rio de Janeiro desse ano. Assim Freixo conseguiu atrair a atenção para si durante a catastrófica crise atual. Fato raríssimo no quadro político do momento: a esquerda no centro do palco. A repercussão do ato mostra a potência política, a atitude em si, no entanto, revela desalento.

Do ponto de vista eleitoral faz sentido a retirada da corrida. O cenário atual se apresentava mais difícil do que em 2016. Na eleição passada, Crivella obteve folgados 27% dos votos, Freixo foi segundo colocado com 18%, porém com margem apertada sobre Pedro Paulo, apadrinhado por Eduardo Paes, que ficou com 16%. O resultado dos outros candidatos são importantes: Flávio Bolsonaro em quarto teve 14%; Índio da Costa 9% e Osório 8%.

Se por um lado, o caso de agressão a mulher de Pedro Paulo foi decisivo para que o ungido de Paes não fosse para o segundo; pelo outro, o candidato do PSOL ainda contou com a fragmentação da direita. Dessa vez a direita e a extrema-direita perceberam o erro: o bolsonarismo deve compor com Crivella, a quem ainda pode se somar o PSD do Índio também convertido ao credo de Bolsonaro. O PSDB de Osório, por sua vez, deve se aliar com o DEM e o MDB ao redor de Paes.

Ainda que contasse com os votos de Jandira (3% em 2016) e Molon (1,5%) dificilmente Freixo iria para o segundo turno nessa eleição. Sem contar que alguns desses votos podem ir para o Paes

A entrada de Paes na disputa ainda retira do Freixo o apoio da Globo. A relação entre Freixo e Globo é antiga, cinematográfica, se tornou uma coalização política concreta na eleição de 2016: forças unidas contra Crivella, o bispo da Universal/Record. Aliança reforçada com a ida de Freixo para o Congresso Nacional, onde é uma das vozes da oposição mais ouvida e repercutida pela emissora.

O custo dessa relação é altíssimo para o candidato do Partido Socialismo e Liberdade: em nome da luta contra o fascismo bolsonarista, Freixo foi cedendo ao “centro político”, isto é, a direita liberal, da qual a Globo é a maior representante. Longe de ser uma exceção, o abrandamento das propostas, o abandono das pautas populares, por fim, o estreitamento do horizonte de luta é a tônica da esquerda na atual conjuntura.

Por isso, a saída de Freixo é uma derrota política. Freixo provavelmente perderia a eleição, tendo um resultado pior do que no pleito anterior, não indo ao segundo turno, ainda por cima com menos votos. Mas poderia politizar a disputa, a campanha eleitoral poderia ser uma denúncia da escalada fascista, um fator de mobilização contra a extrema-direita.

A disputa centralizada entre Crivella e Paes tem tudo para ser marcada por ataques mútuos sobre corrupção, legado olímpico, linhas de ônibus, vigas da perimetral e outros assuntos que embora importantes no cotidiano da cidade não estão no centro da situação política. O eventual substituto psolista de Freixo poderá até propor alternativas interessantes, por exemplo, a estatização do transporte público, mas mantendo o foco na pequena política do município, com muito menos destaque que o Freixo e menos mobilização. Isso se o candidato do PSOL não aderir ao antipetismo explicito.

O apoio do PT carioca a Freixo esteve no centro da última disputa interna do partido. A vitória para o diretório municipal de um candidato que conduzisse o partido a apoiar incondicionalmente Freixo foi uma conquista da base e uma tendência à esquerda que rompeu o marasmo do PT Rio. A ala direita do PT também celebra, portanto, a saída de Freixo, podendo abraçar mais ou menos explicitamente Paes.

Duas manifestações demonstram como a saída de Freixo da disputa é uma vitória da direita. Rodrigo Maia comemorou no twitter: “Eu e Marcelo Freixo pensamos de forma diferente em vários aspectos, mas as diferenças nunca foram obstáculos para o diálogo. Respeito muito a história do deputado. Recomendo a leitura da entrevista dele hoje ao Globo.” Maia, filho de César, é do partido de Eduardo Paes. Glauber Braga, por sua vez, não escondeu a frustração: “Lamento a decisão de Freixo. A eleição municipal é também oportunidade de acumular forças contra o fascismo. Construir um projeto radical (ir à raiz é tarefa histórica da esquerda), popular e não sectário é fundamental. Marcelo tinha condições de dar amplitude a essa proposta.”

A saída de Freixo da disputa pode ser comparada a desistência de Bernie Sanders a corrida pela Casa Branca: uma capitulação para a direita que desmobiliza as bases. Pior que um provável fracasso eleitoral, é a certeza da derrota política.

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