Rumo a Pequim: Como a ONU Colonizou o Movimento Feminista, por Silvia Federici

Por Silvia Federici

In: O Ponto Zero da Revolução, trad. Coletivo Sycorax. Ed. Elefante, 2000.

O presente ensaio debate a promoção dos “direitos das mulheres” por parte da Organização das Nações Unidas (ONU) nas décadas de 1980 e 1990 e seu impacto na política dos movimentos feministas internacionais e na resistência das mulheres contra a globalização. Traça um paralelo entre o papel desempenhado pelas Nações Unidas no processo de descolonização nos anos 1960 e sua recente defesa do feminismo global. Meu argumento é que, nos dois casos, a intervenção da ONU limitou o potencial revolucionário desses movimentos, assegurando que suas agendas sociais fossem adaptadas aos objetivos do capital internacional e das instituições que o sustentam. Ao contrário da crença popular de que o feminismo patrocinado pela ONU serviu para a causa da libertação feminina, eu me inclino a pensar que o “feminismo global” despolitizou os movimentos de mulheres, debilitando a preciosa autonomia de outrora e contribuindo para desarticular as mulheres frente à expansão das relações capitalistas. Os últimos anos da década de 1970 foram testemunhas de uma grande transformação na política e na direção do movimento feminista, com a intervenção massiva das Nações Unidas nas políticas feministas como promotora e defensora da “emancipação das mulheres”. Tal emancipação foi concretizada por meio de diversas conferências globais sobre mulheres e por uma série de atividades complementares dirigidas a instruir os governos ao redor do mundo sobre a necessidade de incluir as mulheres em programas políticos e econômicos.

O momento dessa intervenção foi tudo, menos acidental. Em meados dos anos 1970, os movimentos feministas haviam se transformado em uma força social poderosa, que desafiava não só as relações desiguais de gênero, mas também toda a estrutura social “patriarcal”, exigindo uma mudança social radical. Além disso, os movimentos se disseminaram por meio de grupos, iniciativas ou organizações que emergiam em todas as partes do mundo. Possivelmente, três considerações motivaram a decisão das Nações Unidas de intervir e se autodeclarar o órgão encarregado da despatriarcalização de toda a estrutura de poder político internacional. Em primeiro lugar, houve o entendimento de que a relação entre as mulheres, o capital e o Estado já não podia ser organizada por meio da mediação dos homens assalariados, uma vez que o movimento de libertação das mulheres expressava um repúdio massivo a tal mediação e uma demanda por autonomia em relação aos homens que já não podia ser reprimida. Em segundo lugar, havia a necessidade de domesticar um movimento que contava com um enorme potencial subversivo, fortemente autônomo (até aquele momento), comprometido com uma transformação radical da vida cotidiana e que suspeitava da representação e da participação política.

Domesticar esse movimento era especialmente urgente em um momento em que, em resposta à inextricável “crise do trabalho” da metade da década de 1970, uma contraofensiva capitalista global foi colocada em prática, buscando restabelecer o domínio da classe capitalista sobre a classe trabalhadora e destruindo os modelos de organização responsáveis pela resistência à exploração.

Nesse contexto, “crise do trabalho” é uma expressão reducionista, já que a crise enfrentada pelo capitalismo em meados dos anos 1970 era de caráter estrutural, resultado de um único ciclo de lutas, ocorrido ao longo do século xx e que culminou com a luta anticolonialista e com a luta pelo poder dos negros nos Estados Unidos na década de 1960, o que acabou por debilitar as hierarquias no trabalho sobre as quais o capitalismo havia edificado o seu poder. Uma vasta literatura sobre o assunto documentou que, em meados dos anos 1970, a crise do domínio sobre o trabalho foi tão intensa que, por um momento, a capacidade do sistema de se autorreproduzir foi questionada. Não é de se surpreender que o discurso dominante nos círculos capitalistas internacionais, em 1974, tenha sido o do “crescimento zero”, que, na prática, se traduziu no surgimento de uma incipiente greve capitalista, que preparava o terreno para a desterritorialização da produção e para a implementação de certas táticas que mais tarde ficaram conhecidas como ajuste estrutural e globalização.

Mas não faremos aqui revisões históricas, que já foram objeto de estudo de uma ampla literatura. Basta dizer que deter o movimento feminista era uma tarefa indispensável para os planificadores do capitalismo em uma época em que uma ofensiva histórica aos meios mais elementares da reprodução social e do poder dos trabalhadores estava sendo lançada. Além disso, a existência de correntes liberais no seio do movimento de mulheres, que equiparavam a libertação da mulher à igualdade de direitos e à “igualdade de oportunidades” no sistema econômico existente, revelou a possibilidade de usar o movimento para apoiar o desenvolvimento da agenda liberal. O que seria mais conveniente do que utilizar a demanda feminista liberal por trabalho, por “igualdade em relação aos homens” — inclusive para entrar no Exército —, com a finalidade de fortalecer as desacreditadas instituições contra as quais os trabalhadores estavam se rebelando no mundo inteiro? Aqui reside o paradoxo do ingresso massivo das mulheres na força de trabalho nos Estados Unidos e na Europa, coincidindo com o maior ataque contra os direitos dos trabalhadores desde a década de 1920, algo que mudaria, talvez para sempre, o rosto da zona industrial nessas regiões.

É nesse contexto que a ONU se volta para a tarefa de transformar o movimento pela libertação das mulheres, que abandonaria seu caráter antissistêmico para dar lugar a um movimento capaz de legitimar e apoiar a agenda neoliberal. Há aqui uma interessante comparação com o papel desempenhado pela ONU na década de 1960 em relação à luta anticolonial. Como apontou Horace Campbell, entre outros, uma vez que foi demonstrado que a luta anticolonial não poderia ser derrotada, a ONU abraçou a causa, encabeçando esse movimento ao se declarar como defensora dos colonizados e direcionando o processo de descolonização para um formato compatível com os planos do capitalismo internacional, principalmente o dos Estados Unidos, que viam a descolonização como uma oportunidade para a criação de um mercado global, livre das barreiras que os impérios coloniais colocavam à circulação internacional do capital e das mercadorias.

Assim como ocorreu com o processo de “descolonização”, a partir da organização da I Conferência Mundial da Mulher, celebrada na Cidade do México em meados da década de 1970, a ONU voltou-se a uma política de “despatriarcalização”, dando um passo para a criação de um novo contrato social entre as populações de mulheres (selecionadas) e o Estado. Voltarei a tratar das diretrizes gerais desse modelo mais a frente. Agora, assinalo as táticas utilizadas pela ONU para levar adiante esse programa. Entre elas estão:

• O apoio à difusão massiva de conferências internacionais, de modo a direcionar a energia e o esforço das feministas, em âmbito internacional, à agenda e às atividades elaboradas institucionalmente; 

• A criação de comissões às quais reconhecidas feministas foram convidadas, distanciando-as da ampla maioria das mulheres e dos movimentos em que já estavam inseridas. O fato de que tantas mulheres tenham aceitado trabalhar para as Nações Unidas deu credibilidade e legitimidade aos programas da organização e habilitou a instituição a fixar calendários, espaços e até modalidades de ativismo feminista; 

• A criação de um quadro de “feministas globais”, que funcionou como uma união global de mulheres, encarregado de representar as necessidades e os desejos das mulheres perante os olhos do mundo e, assim, decidir qual seria a agenda e a luta feminista verdadeira e legítima; 

• A pressão sobre os governos para instituírem escritórios e ministérios de mulheres e para que fossem signatários de declarações em prol dos direitos das mulheres, tais como a Declaração sobre a Eliminação da Violência contra a Mulher, adotada pela Assembleia Geral da ONU em 20 de dezembro de 1993.

Nenhuma dessas iniciativas teria alcançado o efeito obtido se não fosse pela grande divulgação e financiamento que tiveram, além da estreita colaboração entre a ONU e um grande número de corporações — as mesmas que, nesses anos, empobreceram as comunidades das feministas cujas viagens e estadias para a IV Conferência Mundial da Mulher, em Pequim, estavam financiando. As corporações eram tão preponderantes na organização dessas conferências que seu nome era impresso nos programas distribuídos em Pequim. No que se refere ao dinheiro destinado a produzir esses eventos, que incluíam muitas reuniões preparatórias prévias a cada conferência, algumas das feministas participantes — principalmente as provenientes do “Terceiro Mundo” — se mostravam profundamente descontentes. “Implorei para que me dessem o dinheiro que pagaram pelo meu quarto (mais de cem dólares por dia em um hotel no centro da cidade), porque com esse dinheiro eu poderia alimentar um povoado inteiro no meu país por uma semana, mas eles se recusaram a fazer isso”, lamentou uma mulher africana convidada para uma conferência preparatória em Nova York. Isso não devia surpreender. 

O objetivo da intervenção não era melhorar as condições das mulheres. Prova disso é que, na mesma década 

em que a ONU se dedicou a trabalhar pelos direitos das mulheres — entre 1976 e 1985 —, a condição das mulheres se deterioravam drasticamente no mundo inteiro, devido às políticas adotadas por agências que fazem parte da própria instituição, como o Banco Mundial, o fmi e a omc — políticas contra as quais a ONU nunca se opôs e as quais nunca criticou. Os programas de ajustes estruturais, impostos pelo Banco Mundial e pelo fmi em boa parte do “Terceiro Mundo” em resposta à “crise da dívida” afundaram a maioria das regiões afetadas em uma pobreza que não foi vista nem no período colonial e que, sistematicamente, minou as possibilidades de as mulheres (exceto uma minoria de classe alta e do empresariado) melhorarem sua qualidade de vida e acessarem os serviços de educação, atenção médica e alimentar, entre outros. O único serviço “gratuito” que a mulher pôde acessar foi o de esterilização, imposto literalmente a milhões de mulheres por meio de táticas extorsivas e enganadoras.

O que a ONU conseguiu foi neutralizar o movimento pela libertação das mulheres e incorporá-lo a seu programa político como uma vitrine para seu projeto de “democratização”.

A política das conferências internacionais foi alvo de críticas desde seus primórdios. Já em 1975, era evidente que tais eventos propiciariam uma divisão do movimento, eliminando seus componentes radicais e redesenhando a agenda feminista. As feministas institucionais dos Estados Unidos, que dispunham de muito mais recursos econômicos que as demais participantes, dominavam a cena. Os temas de maior importância para as feministas nessa época não podiam ser destacados — por exemplo, a ocupação da Palestina por Israel — e os movimentos de base convidados eram financiados pelos Estados Unidos ou por agências da ONU e tinham, portanto, sua capacidade de crítica limitada.

As conferências seguintes (Copenhague, 1980; Nairóbi, 1985; Pequim, 1995) confirmaram essa tendência, bem como o aumento da burocratização do movimento, produzida pelas iniciativas da ONU, e a crescente disparidade entre as promessas e a realidade das mulheres neste âmbito. Em 1985, existiam 170 organizações internacionais de mulheres, disseminadas ao redor do mundo e nascidas graças às conferências da ONU. Nesse mesmo ano foi lançado oficialmente o Programa de Ajuste Estrutural em Seul, na Coreia do Sul. 

PLATAFORMA DE AÇÃO DE PEQUIM

Mas do que se trata a agenda idealizada pela ONU? Que tipo de movimentos feministas internacionais ela ajudou a criar? Encontramos a melhor resposta na Declaração e Plataforma de Ação de Pequim. 

Tal plataforma prepara caminho para a plena exploração da mulher, não só dentro de casa, mas também no trabalho assalariado, eliminando os obstáculos à “participação da mulher na economia”, resultantes das demandas dos homens. Ironicamente, promete igualdade entre homens e mulheres em um momento em que até mesmo o homem assalariado encontra-se privado das garantias e dos benefícios de que antes usufruía. Também promete “integrar” as mulheres ao “desenvolvimento sustentável” — uma piada quando um programa de austeridade assassino e mais cortes nas ofertas de emprego são impostos em grande parte do mundo. Típicas do “duplo discurso” do programa da ONU para a emancipação da mulher são as recomendações para retirar as mulheres da pobreza, defendê-las da violência e eliminar as desigualdades de gênero. Para as mulheres que estavam perdendo a terra, o trabalho e o acesso à educação e à saúde, a Plataforma de Ação de Pequim propunha aumentar a “autoconfiança” e o acesso à educação, desenvolver “a inclusão de uma perspectiva de gênero” em todos os níveis de programas e políticas de governos e órgãos nacionais e internacionais, aumentar as “oportunidades econômicas”, e “garantir acesso pleno e equitativo aos recursos econômicos, inclusive o direito à herança, à posse de terras e outras propriedades, ao crédito, aos recursos naturais e às tecnologias apropriadas”.

Enfatizo os termos “posse” e “crédito” porque eles abrangem as reais intenções da ONU. “Posse” significa, na realidade, o fortalecimento da legislação da propriedade privada em detrimento da ocupação contínua da terra, nos lugares onde ainda prevaleciam as terras comunitárias (como na maior parte da África e em vastas regiões da América Latina — no México, por exemplo), e onde o Banco Mundial vinha se esforçando por instituir títulos individuais de propriedade e o mercado da terra, enfrentando uma enorme resistência. De fato, o movimento pelo direito da mulher à terra surgido em Pequim beneficiou as mulheres que têm a possibilidade de comprar terras ou de obter uma propriedade própria por meio do marido, e cujo direito de acesso é com frequência questionado por familiares de seu cônjuge. Mas, para a maioria das mulheres na África, na Ásia e na América Latina, desalojadas diariamente por companhias mineradoras ou por projetos de desenvolvimento do agronegócio, as garantias legais são bastante irrelevantes, uma vez que os únicos meios que essas mulheres dispõem para adquirir terras são a ocupação e o cultivo de terras públicas sem uso, prática muito difundida principalmente na África. “Crédito” refere-se a créditos rurais e microcréditos que tanto têm sido promovidos pelo Banco Mundial e por diversas organizações não governamentais desde o final dos anos 1970 como a solução para a pobreza no campo, levando milhões de trabalhadores rurais e pequenos empresários ao endividamento e a serem escravos dos bancos.

A Plataforma de Ação de Pequim também prometeu combater as desigualdades de gênero em matéria de educação, promover o ingresso de mulheres jovens em áreas como ciência e tecnologia, reduzir a mortalidade infantil e apoiar as pesquisas desenvolvidas por mulheres no campo da saúde. No entanto, não se menciona o fato de que, após o ajuste estrutural, até mesmo a educação primária se tornou um luxo em muitas partes do mundo, já que foram introduzidas taxas em todos os níveis do sistema educacional. A saúde também foi privatizada, a ponto de as pessoas na África retornarem às práticas tradicionais e ao trabalho de curandeiros. As vacinas contra a mortalidade infantil também foram drasticamente reduzidas, sem mencionar que o principal obstáculo dos sistemas de saúde é, hoje em dia, a desnutrição.

De novo, a Plataforma de Pequim visa a eliminar a violência contra a mulher; no entanto, essa violência é definida como a estritamente infligida pelo homem no âmbito individual. Não é mencionada a violência institucional, como a cometida contra trabalhadoras, principalmente negras e latinas nas prisões dos Estados Unidos, a violência enfrentada pelas mulheres nas maquilas ou sweatshops ou a violência bélica. “Proteger as mulheres que vivem em situações de conflitos armados”, reza o documento, mas sem prever nenhum tipo de condenação a tais situações. Ao contrário, sugere-se que as mulheres aumentem sua participação na “resolução de conflitos” e que fortaleçam seu papel na difusão “da cultura de paz” na sociedade e na família.

Em resumo, a Plataforma de Pequim é uma mistura de ilusões, evasões e discurso duplo. No entanto, seria um erro argumentar que a soma de todas essas sugestões tenha se constituído em um esforço vão. A plataforma faz parte de uma grande maquinaria que tem tido a gigantesca tarefa (em grande parte, realizada) de transformar um movimento potencialmente subversivo em outro suficientemente domesticado, para que seja parte integral e que apoie a reestruturação neoliberal da economia internacional e sua política expansionista. Além disso, por trás dessa linguagem difusa, podemos vislumbrar alguns objetivos práticos:

• Criar um quadro de feministas de Estado, isto é, mulheres que atuem na órbita estatal, em governos variados, encarregadas de instituir mudanças necessárias para um aproveitamento mais cuidadoso do trabalho e das capacidades das mulheres; 

• Criar um quadro de “feministas globais” que façam a mediação entre os movimentos e as lutas das mulheres, ajudando a desenhar um programa feminista domesticado, fornecendo linguagens e conceitos adequados às instituições, imprimindo às prescrições da ONU uma imagem popular e mesmo radical; 

• Gerar redes de movimentos de base para serem consultadas periodicamente, ainda que, no âmbito oficial, o objetivo seja contribuir para legitimar as decisões da ONU; 

• Redefinir a questão da pobreza como um problema de falta de capital e de aplicação inapropriada das legislações sobre propriedade. A insistência com os “créditos” e com uma reforma agrária legal — as duas panaceias da população rural e das mulheres, particularmente — estão em conformidade com a política do Banco Mundial de privatizar a terra e descartar, de uma vez por todas, a ideia de redistribuição de terras, que constituía o verdadeiro objetivo da luta anticolonialista.

A intervenção da ONU ajudou a enterrar o movimento feminista, chegando até a decapitá-lo em alguns casos, por meio da cooptação de algumas de suas principais porta-vozes. O velho feminismo despenteado e peludo da década de 1960 foi substituído pelo empoderado e bem vestido feminismo dos anos 1990, que corre pelo mundo com seu laptop, fazendo advocacy, criando redes de contatos, cortejando os meios de comunicação e gastando horas e horas em discussões cujo objetivo é mudar um nome em documentos e declarações oficiais, sendo cada vez mais desconectado de qualquer movimento de massa.

Nesse sentido, o “feminismo” se tornou cúmplice de uma política institucional — motivo pelo qual, compreensivamente, tantas jovens radicais não querem se associar a esse movimento. Isso ficou mais visível na questão da guerra. No começo da década de 1980, as feministas dos Estados Unidos e da Europa adotaram uma postura firme contra o lançamento de mísseis Pershing, ocupando durante longos meses prédios próximos a bases militares em Greenham Common (Inglaterra), em Seneca Falls (estado de Nova York) e em Puget Sound (estado de Washington), e enfrentando, frequentemente, agressões físicas por parte da polícia, das Forças Armadas e da população local. Em 1991, por outro lado, o Exército estadunidense, composto por soldados de ambos os sexos, era saudado como um símbolo de civilização, e a mulher vestida com um uniforme de cor cáqui era comparada pela imprensa, de forma positiva, a uma mulher iraniana de xador preto, sem nenhum protesto massivo por parte das feministas em nenhum lugar do mundo. 

Sem dúvida, surgiram pontos positivos dos encontros internacionais promovidos pela ONU. A política feminista se internacionalizou. Muitas mulheres que participaram das conferências se depararam com histórias e temáticas que não conheciam, principalmente aquelas que vinham da Europa e dos Estados Unidos. Elas adquiriram um conhecimento mais amplo da política internacional e, em alguns casos, estabeleceram laços políticos com grupos e redes externas à esfera da ONU. No entanto, eu me atrevo a afirmar que todo este desenvolvimento poderia ter ocorrido sem a intervenção das Nações Unidas, e que tampouco foram suas tarefas que deram luz aos principais resultados. No final dos anos 1990, os zapatistas tinham uma rede internacional articulada completamente independente de partidos políticos, de informações midiáticas, de teorias, de iniciativas, além de possuir diferentes formas de cooperação. De maneira similar, em 1995, o movimento antiglobalização realizava a tarefa de instruir ativistas de todo o mundo sobre as consequências do ajuste estrutural, da crise da dívida dos países do “Terceiro Mundo” e do papel do Banco Mundial, do fmi e da omc na recolonização em curso no “Terceiro Mundo”. O movimento feminista não deve nada às Nações Unidas pela consciência internacional adquirida, especialmente tendo em vista que a ONU tem uma longa história na promoção de políticas que são uma negação descarada a tal internacionalismo. A organização não somente apoiou o apelo à guerra dos Estados Unidos como também, em nome da igualdade, alistou mulheres para que, como os homens, tivessem o “privilégio” de matar outros seres humanos.

Se olharmos para o futuro, vemos indícios de um declínio no entusiasmo com os direitos das mulheres. Podemos afirmar que alcançamos muita coisa até agora. O movimento feminista já não constitui uma ameaça, apesar de as lutas feministas continuarem sendo o principal obstáculo ao cercamento das terras e ao controle das florestas e das águas. Igualmente, os governos aderiram à proposta de estabelecer escritórios responsáveis por assuntos relacionados à mulher, e a bandeira dos direitos das mulheres agora pode ser levantada em qualquer empresa militar. Enquanto isso, milhões de mulheres foram recrutadas para trabalhar em sweatshops, abandonaram seu país em busca de remunerações mais altas e foram desalojadas e conduzidas a campos de refugiados, tudo a partir da patrocinada “década da mulher” das Nações Unidas.

ATIVIDADES PATROCINADAS PELA ONU:

• Década da Mulher 1976-1985. 

• III Conferência Mundial sobre a Mulher realizada em Nairóbi, em 1985. Essa foi uma conferência marcante, pois contou com a participação de quinze mil mulheres e cinco mil jornalistas, além de ter produzido o documento Estratégias Orientadas ao Futuro, para o Desenvolvimento da Mulher até o Ano 2000, elogiado como um grande avanço para as mulheres, ao mesmo tempo que, ironicamente, o Programa de Ajuste Estrutural era lançado em Seul. 

• Linking Hands for Changing Laws: Women’s Rights as Human Rights Around the World [Juntando as mãos para mudar as leis: os direitos das mulheres como direitos humanos ao redor do mundo], em Toronto, em 1992. 

• II Conferência Mundial de Direitos Humanos em Viena, em 1993. 

• Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, ocorrida no Cairo, em 1994. Foi quando a ONU declarou o “Ano da Família”. É de se notar que a ONU auxiliou o Banco Mundial no projeto de “controle de população”, que afirma que a causa da pobreza no mundo vem do crescimento populacional, culpando as mulheres como agentes do empobrecimento de seus países. 

• IV Conferência Mundial da Mulher em Pequim, em 1995.

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