O plano para matar a União Soviética

Via RT

O colapso da União Soviética é frequentemente explicado por alguns “por um momento em que algumas nações conquistaram sua independência da Rússia”. Na realidade, os acontecimentos de 30 anos atrás foram muito diferentes disto. Temos que entender o papel de liderança que a Rússia desempenhou no desmantelamento da URSS.

No dia 7 de dezembro de 1991, os chefes das repúblicas soviéticas da Rússia, Ucrânia e Bielorrússia – Boris Yeltsin, Leonid Kravchuk e Stanislav Shushkevich – se encontraram em uma hotel de caça na floresta de Belavezha.

Um dia depois, em 8 de dezembro, há três décadas atrás, eles assinaram um acordo, dissolvendo efetivamente a URSS.

Para alguns, este foi um passo heróico que garantiu a derrota final do comunismo, livrou a Rússia de sua herança imperial e finalmente deu independência às nações há muito sofredoras da União Soviética. Para outros, porém, foi uma traição que destruiu desnecessariamente uma união que a maioria dos cidadãos ainda estimava, e que deixou milhões de russos vivendo fora de seu próprio país, lançando as sementes de futuros conflitos, como a guerra hoje no leste da Ucrânia.

Destruir a URSS não estava nos planos de Shushkevich quando ele convidou seus colegas russos e ucranianos para ir a Belavezha, em dezembro de 1991. Ao contrário, ele esperava resolver a crise energética enfrentada por sua República Socialista Soviética Bielorrússia. A economia soviética havia confiado na mão orientadora do Partido Comunista da URSS. Quando o poder deste último entrou em colapso como resultado do programa de reforma perestroika do líder soviético Mikhail Gorbachev, a economia planificada caiu no caos. Shushkevich estava preocupado com a escassez de abastecimento de petróleo e gás para o inverno, e pediu aos russos e ucranianos que viessem a Belavezha para discutir os esforços comuns para resolver seus problemas econômicos.

Uma vez iniciado o encontro, porém, o representante russo Gennady Burbulis apresentou a inesperada proposta de que os líderes assinassem uma declaração no sentido de que “a URSS como uma realidade geopolítica e um sujeito do direito internacional deixa de existir”. Os bielorrussos e ucranianos concordaram, e assim foi assinado o Acordo de Belavezha, declarando nulo o Tratado sobre a Criação da União Soviética de 1922. E assim a URSS foi dissolvida.

Duas coisas merecem atenção nisso tudo. Primeiro, as outras repúblicas da URSS não foram consultadas sobre se queriam ou não que ela fosse destruída. Repúblicas como o Cazaquistão e o Uzbequistão não estavam pedindo a independência.

Em segundo lugar, o partido que tomou a iniciativa de destruir a União foi a Rússia. A União Soviética poderia ter sobrevivido sem os três Estados bálticos – Estônia, Letônia e Lituânia – que haviam declarado a independência em agosto de 1991. Poderia até ter sobrevivido sem a Ucrânia, que realizou um referendo sobre a independência apenas seis dias antes da reunião de Belavezha. Mas não poderia ter sobrevivido sem a Rússia. Uma vez que a Rússia decidiu que não queria fazer parte da União, a URSS estava condenada.

Por que então os líderes russos decidiram acabar URSS, se a maioria das outras repúblicas estavam unidas há mais de cem anos, e em muitos casos há muito mais tempo, e que em alguns casos era formada por grandes populações russas? A resposta está nas ambições políticas e ideológicas do presidente russo, Boris Ieltsin, e seus aliados liberais.

Quando Gorbachev lançou a perestroika em 1985, os intelectuais russos o apoiaram em sua maioria. Em 1989, porém, muitos achavam que o líder soviético não estava indo longe o suficiente, rápido o suficiente. Quando Boris Ieltsin se estabeleceu como rival de Gorbachev, muitos o traíram, vendo Ieltsin como alguém mais propenso a promulgar uma rápida reforma democrática e de mercado livre.

Gorbachev controlava todas as alavancas do poder no nível do governo soviético. Ieltsin decidiu flanqueá-lo, ganhando o controle da República Socialista Federativa Soviética Russa (RSFSR), a maior das 15 repúblicas que constituíam a URSS. Uma vez que Ieltsin ganhou as eleições em 1991 para o cargo de presidente da RSFSR, ele e seus apoiadores começaram a promover uma forma de nacionalismo russo e exigiram que o poder fosse devolvido do nível de toda a União para o da república russa – ou seja, de Gorbachev para Ieltsin.

Mais notavelmente, na primavera de 1990, o Congresso dos Deputados do Povo RSFSR emitiu uma “Declaração de Soberania do Estado”. Isto anunciou a superioridade da lei russa sobre a lei soviética e declarou que quaisquer atos do governo soviético que fossem contrários aos direitos do RSFSR eram ilegais. A Declaração desencadeou o que ficou conhecido como o “desfile de soberanias”, pelo qual as outras repúblicas da URSS seguiram o exemplo. Mas foi a Rússia que liderou o caminho, em grande parte para satisfazer os desejos de Ieltsin e de seus apoiadores.

Uma vez que a União Soviética não mais existia, Gorbachev não tinha mais um papel. Destruir a URSS, portanto, serviu aos interesses pessoais de Ieltsin ao permitir que ele finalmente derrotasse seu rival. É isto que em parte explica por que a Rússia aprovou os Acordos de Belavezha.

Havia outra razão, como apontado pelo principal conselheiro financeiro de Ieltsin, Yegor Gaidar. Como vice-primeiro ministro da Rússia no início de 1992, Gaidar se tornaria famoso como arquiteto de um programa de reforma radical do mercado livre conhecido como “terapia de choque”. Ele e sua equipe estavam interessados em introduzir a terapia de choque mesmo antes disso. Entretanto, como Gaidar explicou mais tarde, eles não acreditavam que os líderes das outras repúblicas soviéticas estivessem dispostos a fazer o mesmo.

Como a reforma econômica na URSS tinha que ser realizada simultaneamente em todas as repúblicas, a oposição das repúblicas não russas significava que a terapia de choque era impossível enquanto a URSS permanecesse em existência. A única maneira da Rússia poder realizá-la era se livrar das outras repúblicas e se tornar um Estado independente. Em resumo, a escolha era a União ou a terapia de choque. Ieltsin e Gaidar escolheram a última.

É discutível que a União, em sua forma existente, estava condenada de qualquer forma. O Partido Comunista era tão central para a administração do país que uma vez minado, a URSS rapidamente se desmantelou, forçando as autoridades locais a reunir o poder em suas próprias mãos num esforço desesperado para manter alguma forma de ordem. Ainda assim, alguma forma de União poderia ter sido mantida se existisse a vontade de fazê-lo em Moscou.

Não houve. A existência continuada da URSS não se adequava aos interesses de Ieltsin e daqueles ao seu redor, e assim eles alegremente se livraram dela. Para o bem e para o mal, a Rússia continua a viver com suas consequências até hoje.

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