O GOLPE DE BORIS JOHNSON: SINTOMA E APROFUNDAMENDO DA CRISE IMPERIAL

Luã Reis

O regime britânico se encontra em grave crise política desde que a saída do Reino Unido da União Europeia foi decidida em plebiscito. A opção do britânicos pelo Brexit, por sua vez, foi sintoma da estagnação econômica e decadência das políticas sociais, provocados pelos seguidos governos neoliberais de cunho conservador, somado a uma fraude eleitoral arquitetada como campanha de marketing pela Cambridge Analytica. O impasse do Brexit polarizou e radicalizou a política do país, como analisado aqui. Nesse cenário crítico, o direitista Boris Johnson assumiu o poder na esteira da renúncia de Thereza May. Mais radical que os antecessores primeiros ministros conservadores, Johnson surpreendeu o mundo ao dissolver o parlamento, em manobra conjunta com a monarquia britânica, para impedir que os deputados discutissem os termos e possivelmente aumentassem o prazo para o Brexit.

A decisão de fechar o parlamento é obviamente um atentado à democracia. John Bercow, presidente da Câmara dos Comuns, afirmou que a iniciativa de Johnson é “um ultraje constitucional. É óbvio que o objetivo da prorrogação seria impedir o Parlamento de debater o Brexit e cumprir seu dever”. Jeremy Corbyn, líder trabalhista e da oposição, declarou que “isso é um escândalo e uma ameaça à democracia”. Toda elegância britânica para dizer que é um golpe. Afinal, trata-se de uma ação totalmente ditatorial, que expressa o desespero da extrema-direita.

Johnson fechará o parlamento durante cinco semanas, maior tempo desde a Segunda Guerra Mundial, alegando defender a “vontade popular” daqueles que votaram pelo Brexit, seja com ou sem acordo. Se obtiver sucesso, nada impede que o Primeiro Ministro adote o expediente regularmente para governar de maneira cada vez mais centralizada, em consonância com a Rainha, chefe da Forças Armadas Britânicas. Vale lembrar que Johnson não foi eleito primeiro-ministro, estando no cargo graças aos 92 mil votos que recebeu na convenção do Partido Conservador, para escolher o sucessor de May. A monarquia, obviamente, não recebeu voto algum, regime por fundamento antidemocrático, que eventos como espetáculo do casamento real tentou disfarçar no ano passado.

O jornal conservador Financial Times, porta-voz do capital financeiro instalado na City londrina, em duro editorial, diz que Johnson caminha para ser “um déspota em Downing Street. Em preocupação imperialista. A publicação também recorda que com o fechamento do parlamento impedirá o Reino Unido de “dar lições de democracia em outras nações”. Ano passado, o Reino Unido bombardeou a Síria, em ataque imperial em conjunto, e reconheceu Guaidó, participando nas tentativas de Golpe na Venezuela, para ficar apenas em dois casos recentes.  Por isso, o Financial Times concluiu que a “democracia é o caminho para a prosperidade britânica”, isto é, da prosperidade do capital financeiro na Grã Bretanha.

A oposição tentará convocar um voto de desconfiança para forçar uma nova eleição. O Primeiro Ministro já demonstrou que não aceitaria, ignoraria, e ficaria até realizar o Brexit. Johnson mobilizará a extrema direita para declarar que a disputa é do “povo” e a nação, encarnado nele, contra forças externas que ameaçam a soberania, representadas no Parlamento. Retórica política que se assemelha a de Trump e Bolsonaro, líderes da extrema-direita, cujo comportamento exótico e destrambelhado também lembram Johnson.

Um dos pontos mais delicados do Brexit é a volta das barreiras físicas entre a República da Irlanda e a Irlanda do Norte, parte do Reino Unido. O apaziguamento da fronteiras na União Europa colocou em stand by o duradouro conflito, após décadas de radicalização violenta. Em um cenário de crise econômica e social e a ascensão dos nacionalismos, os dois lados se preparam para a turbulência e inevitável polarização. Um conflito violento que não seria ruim para as ambições de um político, cujo primeiro ato foi justamente centralizar o poder, pois permitiria ao Primeiro-Ministro governar com a Rainha e as Forças Armadas. O aprofundamento da crise britânico levaria a uma imensa crise na Europa, cujas repercussões seriam inevitavelmente mundiais.  

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