O “ARQUITETO DO 11 DE SETEMBRO” E A TORTURA DEMOCRÁTICA

Luã Reis

Às vésperas de mais um aniversário do 11 de setembro, matéria da BBC , republicada pelo grupo Globo, com destaque no G1, anuncia o julgamento de Khalid Sheikh Mohammad ,“o arquiteto do 11 de setembro”. Khalid Sheikh supostamente o “mentor” dos ataques – não era Bin Laden? – será julgado juntamente com outros quatros suspeitos, sendo os primeiros envolvidos no 11/9 a irem aos tribunais, quase vinte anos depois.

Depois de citar genericamente, sem maiores detalhes, os atentados, a reportagem informa que “as tentativas de processar ele e o restante do grupo foram marcadas por atrasos, sendo adiadas em mais de uma ocasião.” Ora, cabe esclarecer aqui que as caçadas, as detenções e as prisões dos suspeitos pelo mundo a fora foram a margem de qualquer legalidade. As defesas dos acusados conseguiram com facilidade demonstrar as enormes ilegalidades nos relativos processos. Por exemplo, o julgamento será por um tribunal militar na base americana – ilegal – de Guantánamo, enquanto deveria ser em Nova Iorque.

Em seguida o texto da BBC, se baseando nas informações do Pentágono, diz que Khalid Sheikh se declarou “responsável de A a Z pelos atentados”. O relatório oficial dos atentados descreveria o suspeito como o “arquiteto”, posição que contraria a liderança de Bin Laden portanto, a matéria embasa essa condição listando uma série de outras “atividades terroristas”, sem especificar como o suspeito se envolveu em cada caso mencionado. Alguns curiosos detalhes da biografia do suspeito são citados também sem maiores explicações: Khalid Sheikh “se formou nos EUA e viajou pouco depois para o Afeganistão, onde teria encontrado Osama bin Laden pela primeira vez durante manobras contra os soviéticos”. Ora essa formação, o encontro com Bin Laden e as “manobras contra os soviéticos” tiveram participação de algum americano ou agência estatal dos EUA?

Na última parte da matéria, se informa que os “interrogatórios estão em xeque”, pois “Khalid Sheikh Mohammed afirmou ter sido torturado repetidas vezes.” Isto é, o suspeito diz ter sido torturado, mas será verdade? No próximo parágrafo um indicativo da resposta: “documentos da CIA, serviço de inteligência dos EUA, confirmam que ele foi submetido a até 183 sessões de afogamentos simulados.” Ou seja, a própria CIA admite que um suspeito, detido a margem da lei, foi torturado, pelo menos, 183 vezes, isto apenas aquilo que foi “documentado”, utilizando a técnica chamada, delicadamente, de “simulação de afogamento”’. A história da atuação da CIA pelo mundo indica ser grande a possibilidade de centenas de outras torturas, em práticas de crueldade inimaginável, terem sido realizadas. Talvez seguindo o famoso manual de torturas KUBARK, replicado pelas sanguinárias ditaduras militares da América Latina.

Tratando a tortura como um problema técnico, a BBC/Globo cita outras algumas outras realizadas pela CIA, “entre elas privação do sono, tapas no rosto, exposição dos prisioneiros a baixas temperaturas”, que foram “realizadas rede de centros de detenção no exterior”. Qual direito internacional permitiu agências internacionais prenderem pessoas de diferentes nacionalidades, conduzirem para outros países e serem submetidas a bárbaras torturas? Qual a validade dessas “confissões” e testemunhos? A BBC/Globo não se pergunta. Talvez tenha como referencial de “justiça” as práticas da vara da República de Curitiba.

Próximo de mais um aniversário do controverso ataque, ainda com mais perguntas do que respostas, o texto da BBC permite duvidar da responsabilidade do suspeito, mas dá a certeza da crueldade sanguinária da CIA. Afinal, o que é o terror? Prender ilegalmente milhares de pessoas e as conduzir para centros clandestinos de tortura pelo mundo não pode ser definido como “terrorismo”?

Por fim, a matriz do pensamento bolsonarista se revela na defesa de uma ideia que podemos chamar de “tortura democrática”. Como de praxe em todas as reportagem sobre o tema, a palavra final no texto é da CIA dizendo que a tortura “salva vidas”. 

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