BRAZIL DISTOPIA – O ILUMINISMO ACABOU, AGORA É A ERA DO ATRASO?

Christian Balduci Da Cruz

Andando pelo caos do Rio de Janeiro, encontra-se pixado nas ruas cheios de lixo e nas paredes mijadas a seguinte frase: “Constituição não, bíblia sim: 2060 Jesus Cristo vai voltar”. Seria bom que ele viesse logo, pois daqui a pouco, poderá ser tarde. De origem humilde, provavelmente analfabeto, Jesus Cristo discutia as leis com os sujeitos hegemônicos. Jesus nunca deixou de se preocupar com os mais fracos, doentes, pobres e inclusive mulheres, em um tempo em que elas não eram nem contadas. A pregação e o estilo de vida que ele levava incomodava os poderosos da religião que tramaram sua morte. Cristo foi escorraçado pela elite judaica – que havia sido dominada pelo Império romano – do templo de Jerusalém, junto com o rei Herodes Antipas que era servo de Roma. Israel era um estado cliente de Roma – similar a como é hoje com os EUA – tendo sido conquistado duas gerações antes, cerca de 60 antes de Cristo. O povo viu e resistiu lutando com os soldados de diversas formas: greves de fome e assassinatos. Ricos e membros da elite eram mortos em plena luz do dia e que depois os assassinos eram acolhidos pela multidão. Jesus era um dos poucos não-violentos, e a sua memória entre os judeus pobres e de crenças alheias à religião oficial que apoiava Roma ficou forte nas décadas e séculos seguintes.

Na escrita da história, em diversos momentos, aparecem fraturas, lacunas e  mitos que são preenchidas com narrativas produzidas pelas elites. Entre essas lacunas, nos momentos de tristeza, falta de esperança, desespero e desinformação, messias surgem: alguns para salvar/ajudar, como por exemplo, Siddhartha Gautama – intitulado Buda -, Jesus Cristo, Carolina de Jesus, Vladimir Lênin, as sufragistas Mary Winsor e Komako Kimura, o profeta Antônio Conselheiro, Malala Yousafzai, enquanto outros, para destruir; esse é o caso de Benito Mussolini, Adolf Hitler, Francisco Franco, Augusto Pinochet, Donald Trump e Jair Bolsonaro. Este último, um ser repugnante, ignóbil, sem compromisso com a liberdade, sem respeito com a democracia, que bate continência para a bandeira americana e desmonta o Estado nacional desde a educação até o meio ambiente. Um conjunto de partículas e células que não deveriam ter existido. 

Bolsonaro tem em mente transformar o Brasil naquilo que se vê em filmes que retratam a revolução industrial da Inglaterra em 1790, em que se observam fábricas e mais fábricas, céu escuro e ambientes soturnos. Em seu devaneio, crianças com o rosto sujo de graxa e carvão, nas ruas cheias de lamas e cinzas, misturam-se com os filmes americanos de ação dos anos 1980, o qual Rambo representaria o macho-alfa de seu fundamentalismo patriarcal. O presidente e sua equipe, ajudados pela operação Lava-jato (junto ao Departamento de Estado norte americano), são traidores da pátria que tiram dinheiro do trabalhador e entregam para o mercado financeiro. Eles desmontaram a construção civil e entregaram o Pré-Sal, cujos recursos iriam para a saúde e a educação. Sufocam as universidades, porque elas geram conhecimento e porque estão agora ocupadas pelas filhas e pelos filhos do povo trabalhador. Não admitem uma educação libertadora, pois sabem que o sonho de quem é livre é libertar o mundo. Não querem o povo feliz, produzindo, conquistando a sua autonomia.  

Ao ter que mostrar uma ação para acalmar os instintos “racionais” da sociedade sobre a queima criminosa e articulada da floresta Amazônica por fazendeiros, Bolsonaro assinou um decreto para combater as queimadas, suspendendo-as em território brasileiro por 60 dias. Quer dizer que antes do decreto era permitido? E depois dos 60 dias, poderá queimar a floresta novamente? As reiteradas falas de Bolsonaro incentivaram invasões, ataques e queimadas por parte de grileiros, garimpeiros e pecuaristas, que agora sentem-se liberados pelo presidente da República. Os relatos do aumento da agressividade dos invasores vêm de vários pontos do país: o Ministério Público Federal do Pará emitiu alerta de que garimpeiros têm feito ameaças contra tribos Xikrin no sudeste do Estado; no Mato Grosso, incêndios destruíram quase que inteiramente a Terra Indígena Areões, habitada por Xavantes. Sérgio Moro foi avisado com um mês de antecedência e nada fez. Bolsonaro absolutamente não está preocupado com nada disso. Ao contrário, voltou a atacar as demarcações: “É muita terra para pouco índio, e sem lobby. Qual é o interesse por trás disso?”, acusou. “A minha decisão é não demarcar mais terra para índios. Aquelas que foram demarcadas de forma irregular, caso tenhamos algo concreto nesse sentido, é buscar a revisão das terras”, disse ao ser questionado se vai rejeitar os quase 500 pedidos que existem para novas demarcações. 

É agonizante ver o que acontece e não poder fazer nada. Ao olhar para o passado, dúvidas surgem: como foi possível Mandela ficar preso durante 27 anos e o povo não fazer nada? Como foi possível a crucificação de Jesus Cristo e o povo não conseguir salvá-lo? Como foi possível gravarem um vídeo antes de cortarem a cabeça do líder anti-colonial e político congolês Patrice Lumumba? Como foi possível Hitler chegar ao poder? De que maneira ocorreu o genocídio em Ruanda ou criminoso bombardeio incessante de quase 100 dias da OTAN contra a Iugoslávia em 1999? Como ainda é possível a extinção de milhares de espécies e biomas naturais pelo capitalismo sem que haja nenhuma insurgência da população? Deixando de lado as anacronias, parece que foi da mesma forma que hoje: o povo assiste os acontecimentos esquecendo que é um poderoso agente histórico. Uma platéia que nada faz, que assiste a política pela TV, sentado na poltrona da sala, passivamente, como se assistisse uma novela ou um jogo de futebol. Enquanto um povo se revolta, platéia apenas assiste, e ainda compra pipoca. O clã instalado hoje no poder destrói os princípios básicos de humanismo: comunhão, amor, empatia e verdade. 

Não é preciso ir para Síria ou para faixa de Gaza para saber como é a guerra, no Brasil acontece coisa semelhante: dois massacres ultraviolentos em penitenciárias do Norte do país que passaram incólume pelas mentes brasileiras aconteceram nos últimos dois anos;  helicópteros jogam granada na Cidade de Deus; uma adolescente teve o filho metralhado no colo por um Policial Militar, e um trabalhador que batia laje na Vila Kennedy foi brutalmente assassinado. Quando a polícia mata jovens negros, deveria sangrar o coração dos culpados. É impressionante o quanto sofre o povo nas favelas/comunidades. Centenas de casais do mesmo sexo são espancados diariamente; sete mulheres são estupradas por hora. Mas o que preocupa Ali Kamel e outros jornais da TV aberta brasileira é o número de carros roubados, os bancos privados quando alvos da raiva do povo cansado e a popularidade do Partido dos Trabalhadores. O que preocupa a família Marinho e os militares entreguistas, é o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva. Na Síria, país de destaque nas matérias internacionais das mídias corporativistas burguesas, mesmo com as cidades bombardeadas, as pessoas ainda vivem, passeiam, amam e comem biscoito. Assim como aqui também. E isso cada vez mais é normalizado: é só passar pela Avenida Brasil para ver a vida real ou observar as crianças brincando no pula-pula no meio da troca de tiros entre policiais e traficantes no Fallet/Fogueteiro. Não existe paz na sociedade, apenas momentos de armistícios: a guerra é a cifra da paz. 

Aqui, diante de nossos olhos, vê-se a mesma coisa que Hitler fez na Alemanha, e não estamos falando da queima de livros, e sim de quando nos primeiros decretos assinados por ele o objetivo era deixar de ajudar os indivíduos com transtornos mentais e leprosos. Observe: a reforma da previdência só atinge quem ganha 2 salários mínimos, o que significa 80% dos trabalhadores do Brasil. Além disso, a respeito da aposentadoria por invalidez, uma pessoa que tem esclerose múltipla (uma doença que gera falência múltipla dos órgãos) para de se movimentar e perde os sentidos. Ela pode acordar um dia, de repente, sem ouvir, sem enxergar ou sem falar. Pela reforma, a pessoa que tiver essa doença grave, não vai receber 100% do valor da média das suas contribuições. Vai receber 60%. Tem mais: pessoas com carcinoma, ou cardiopatia grave, também não vão receber. Quer dizer, o Estado brasileiro negligencia os deficientes, descumprindo compromissos internacionais assumidos pela república federativa e descumpre a legislação interna de pessoas com necessidades especiais e inclusão, pois não oferece praticamente nada – é só andar pelas ruas para ver -, e agora quer tirar a renda deste cidadão. Uma renda diminuta comparada às suas necessidades. Existem duas formas de acabar com os deficientes: ou mata, como o conhecido país da europa fez na década de 1930/40, ou cessa-se os meios de subsistência da pessoa. São técnicas similares. Hoje, está previsto auferir 100% do benefício por incapacidade/invalidez. O Estado brasileiro quer tirar isso. Uma pessoa com doença degenerativa que já desafia a física e a natureza e ainda continua trabalhando, não tem direitos? 

O interesse é privatizar a previdência para acabar com o povo, deixá-lo sofrer. Com a previdência passando, as privatizações vão ficar mais rápidas ainda. A reforma beneficia os empresários, a TV e os Jornais, que ganham quinhentos mil reais, um milhão de reais por mês, ao dizer que a reforma é necessária. Bolsonaro não trabalha para o banco Itaú, ele trabalha para o dono do banco Itaú. Agências imobiliárias já fazem kitnetes com 3 metros quadrados sabendo que idosos não vão ter mais dinheiro para pagar aluguel. Basta procurar na internet para ver o que acontece no Chile agora com os aposentados: eles estão se suicidando. O Chile agora retorna a previdência social, que é solidária, assim como os outros 20 países que mudaram seu regime. Se essa reforma passar, daqui há 2 anos, voltaremos a viver como há 30 anos atrás, talvez, como há 200 anos, numa escravidão não velada: aqui basta lembrar acontecimentos históricos que no seu tempo presente pareciam impossível: 1) a chegada de Luis Bonaparte, em 1789, sobrinho de Napoleão, ao poder, que depois da revolução francesa e todas a milhares de mortes, dá um golpe de Estado e instaura novamente o regime monárquico; 2) a recente lei do Afeganistão (2013) que impôs novamente o véu às mulheres e; 3) a ditadura brasileira, que de 1969 a 1978, pela lei de segurança nacional, trouxe de volta o fuzilamento, uma ação que era proibida desde 1835 pelo governo imperial. 

Todos sabem que Queiroz ainda está escondido para não chamar atenção. A PF de Moro e de Bolsonaro não quer perturbá-lo, da mesma forma como não querem descobrir quem mandou matar Marielle. Vejamos este assassinato político: duas testemunhas, convocadas para prestarem depoimentos, foram assassinadas, quer dizer, teve queima de arquivo; o delegado que descobriu os assassinos, foi transferido para a Itália para estudar (?!); um dos assassinos (a polícia apreendeu 117 fuzis M-16 na sua casa), reside no mesmo condomínio de Bolsonaro. Além disso, é de notório saber público que o Chefe da Investigação protegeu o miliciano que testemunhou, assim como o presidente mudou o chefe da Polícia Federal do RJ para travar a investigação. O delegado cotado para comandar a PF é amigo íntimo de Flávio Bolsonaro. Tudo escancarado. Ao mesmo tempo que o escândalo de Itaipu extrapola o Paraguai e ronda o PSL e o clã Bolsonaro, o presidente da Petrobras emitiu um memorando dizendo que vai privatizar tudo. Como alguém pode sonhar em entregar o seu meio de produção? E ainda dizer claramente que o objetivo é entregar para os EUA. É inacreditável o crime de lesa pátria. Dois dias depois, a Petrobras encerrou as atividades na Bahia e demitiu 30 mil funcionários terceirizados. 

Sérgio Cabral está preso e, como réu confesso, já detalhou como os empresários lucram e roubam. Quantas reportagens investigativas sobre isso foram feitas pela Globo? Pela Rede TV, Band, SBT ou Record? Cadê Joesley Batista preso? Luciano Huck comete estelionato social: ele vai numa comunidade, gasta milhares de reais e reforma a casa de somente uma pessoa num tremendo show de pirotecnia. Por que não ajuda várias pessoas com reformas menores? Por que Deltan Dallagnol ainda está solto? Lúcio Funaro? Alberto Youssef? E o Rocha Loures, o homem da mala? Por que jornalistas estão preocupados com o Lindbergh Farias ou com Jean Wyllys? Existem 33 partidos, por que só falam do PT ou do PSOL? Acusam todos os dias os hospitais públicos que não funcionam e deixam pessoas morrerem, mas não reclamam de hospitais privados que funcionam e também deixam pessoas morrerem. Por que Bolsonaro desistiu de incriminar Adélio? O filho do presidente, o deputado federal Eduardo, comemorou com alunos de uma escola militar de Brasília, o dia 1º de setembro, data que a Alemanha nazista invadia a Polônia, dando início à maior tragédia humana do último século e a maior que o mundo já viveu. Esse fato não foi noticiado por nenhum meio de comunicação. 

O pós-ditadura domesticante expurgou os sentidos da população brasileira, deixando-a com a sensação de que estava livre. Não estava. Não se pode confiar no imperialismo nem um pouquinho. Em 1964, depois do golpe, Castelo Branco foi promovido ao posto de Marechal e eleito de forma indireta pelo Congresso Nacional para a Presidência da República. Ligado a área moderada das Forças Armadas, defendia a ideia de que os militares não deveriam permanecer por muito tempo no poder, devolvendo logo o cargo a um político civil. Isso não aconteceu. O golpe militar se consolidou e, uma vez empossado, Castelo Branco procurou dar ao novo regime um ar de normalidade. Assim, apesar da cassação de 50 parlamentares, 49 juízes e dezenas de professores universitários, o Congresso e o poder Judiciário continuavam a funcionar com uma certa autonomia, agindo normalmente, como se não tivesse acontecendo nada. Quando o STF agiu, Olga Benário foi enviada para Auschwitz. Somente nas eleições de 1965 que é imposto o bipartidarismo. Quer dizer, durante 1 ano e meio tudo aconteceu normalmente no país. O direito regido por interesses de grupos que, constituindo o governo, dominam o Estado, e não pelas regras permanentes da razão e da revelação. O Estado brasileiro hoje parece muito mais um regime autoritário, do que uma estrutura democrática. Democracia não é só votar, tem a ver com liberdade, com oportunidades iguais, com uma sociedade justa e sem miséria. Lembrando Platão: “Muitos odeiam a tirania apenas para que possam estabelecer a sua.”

Em 5 anos a direita conseguiu convencer 1/4 da população que existia comunismo no Brasil, criando um imaginário que remete a Guerra Fria, onde os comunistas eram conhecidos por comerem crianças… A história são blocos divididos, períodos indeterminados, por isso, é preciso estar preparado para quando um novo bloco se estabelecer. Antes do fim do estado escravocrata, se se perguntasse para qualquer cidadão brasileiro, eles diriam que aquele sistema econômico era imutável, mas mudou. A esquerda, quando entender contra quem e por que está lutando, vai voltar muito mais forte que antes, pois a luta de classe parece estar maior a cada dia. O que está acontecendo no Brasil não tem o dedo das multinacionais de petróleo que não aceitam a Petrobrás ter descoberto a maior jazida do Século XXI, tem o corpo inteiro, a alma e a ganância: o que eles não querem é a soberania do nosso país. A elite, que não quer jogar na lata de lixo o complexo de vira latas que foi submetida, levou ao poder de uma nação de 215 milhões de pessoas, um homem com uma consciência retrógrada e fechada. Um ignorante no posto mais importante do Brasil. Um ditador que ainda usa trajes democráticos e não consegue não produzir ofensa quando abre a boca, disparando agressões até para familiares de líderes mundiais. Dessa forma, isola o  Brasil do cenário internacional, prejudicando o comércio, exportação e geração de empregos. Um infeliz que vai entrar para a história como o representante mais odiado pela humanidade desde o período pós segunda grande guerra.

Mais cedo ou mais tarde, o Brasil vai voltar a crescer – até porque, se não crescer, será qualquer coisa, menos um país. Por isso, é imprescindível considerar que o Brasil nunca deixou de ser casa grande e senzala. A casa grande está dentro da elite segregacionista. Foi pelas senzalas, pelos elevadores de serviço, pelas dependência de empregadas que se forjou um país de desigualdade em dimensões continentais, em extensão e exclusão. Muitos ainda se deleitam com a diferenciação – os prazeres carnais da exclusividade – de classe, de cor, de renda. O ministro Carneiro Leão, em 1833, ao responder o debate sobre o tema escravidão, promovido por José Bonifácio, disse: “esse assunto não é para o presente, é assunto para debater-se no futuro”. No ano de 1888, 55 anos depois, a escravidão foi “abolida” através da Lei Áurea. Hoje, 121 anos após a “abolição” da escravatura, incríveis semelhanças históricas revelam a impunidade e o desrespeito aos direitos humanos ainda persistentes em nosso país. Um povo que não sabe a sua história está condenado a ser escravizado até aprender; quando chegar no limite vai se render ao seu estado mais natural: a brutalidade animalesca. O Brasil ainda é o único país em que as elites não tiveram as cabeças arrancadas. 



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