As milícias digitais bolsonaristas (exposed!)

Por Matheus Mendes

Aos poucos – e com um certo atraso, é verdade – os brasileiros vão tomando consciência sobre a guerra midiática que assola o país. Essa guerra tem lados desiguais. De um lado, a rede bolsonarista na internet, violenta e extremada, ataca com mentiras e fake news. De outro, as pessoas comuns, na posição de espectadores, tentam se defender como podem. Junto às pessoas, está a esquerda, que poderia estar organizada, mas se apresenta na internet apenas de forma descoordenada, sem qualquer tática semiótica mais bem pensada capaz de confrontar à altura a profusão da boataria e dos signos da direita, que são propagandeados à exaustão em ações de rede e turbinadas por exércitos de bots.

Desde muito antes das eleições de 2018, o blog Cinegnose realiza análises sobre os sentidos e significados implícitos nas narrativas da direita, que, segundo seu autor, Wilson Roberto Ferreira, não começa em Bolsonaro, mas vem sendo nutrida, antes mesmo do Golpe de 2016, pela própria mídia tradicional que agora entre em colisão com a serpente que ajudou a chocar. O Cinegnose aponta que não há uma contradição entre Bolsonaro e a mídia (em especial Globo) mas uma simulação de confronto, numa disputa de aparências, pois Bolsonaro e a mídia convergem na visão sobre Estado, economia e sociedade.

Mas as redes bolsonaristas não são exatamente espontâneas, naturais ou orgânicas, como muitas vezes a aparência nos faz crer. Não só porque usam bots e perfis fakes, mas fundamentalmente porque são articuladas e organizadas politicamente por pessoas interessadas em um projeto comum de poder. Esses organizadores possuem nomes, perfis reais, investem dinheiro e se encontram presencialmente para planejar táticas da guerra informacional e pensar nos cargos a serem abocanhados no atual governo.

Em 2019, a Piauí perfilou algumas das figuras do que chamou de juventude bolsonarista, jovens responsáveis por financiar, mobilizar e teorizar sobre o movimento de tipo ultraliberal na economia e conservador nos costumes. Indivíduos e grupos que participaram da construção não só ideológica mas, sobretudo, operacional do bolsonarismo. Na reportagem, fica claro como o nó ideológico atado a Olavo de Carvalho serve como fator de identificação para a formação da rede. Partindo de Letícia Catel, empresária de São Paula, a revista puxa o fio:

A essa altura, Catel já estava muito próxima da família Bolsonaro. Durante a campanha presidencial, organizou eventos, contratou seguranças e ajudou na logística de deslocamento do candidato. “Se o meu pessoal estivesse no comando da segurança dele em Juiz de Fora”, disse, “duvido que teria acontecido tudo aquilo.” “Seu pessoal” é um grupo de ex-policiais donos de empresas de segurança e que também dão aulas de defesa pessoal e de Krav Magá, luta utilizada pelo exército israelense e que ela também pratica. Como conhecia um deputado de origem brasileira no Parlamento italiano, Catel foi quem ajudou na aproximação de Bolsonaro com o político de extrema direita italiano Matteo Salvini, atualmente ministro do Interior e um dos primeiros líderes internacionais a se posicionar a favor do candidato Bolsonaro.

Por causa de sua atuação no comércio exterior, Catel também tinha contatos com empresários na América Latina. Às vésperas do segundo turno, ela foi uma das pessoas que participaram da pequena comitiva que seguiu até o Paraguai em busca do apoio do presidente do país, o conservador Mario Abdo Benítez, eleito no ano passado. Outra ação de peso em favor de Bolsonaro no mundo dos negócios veio de Victor Metta. Judeu praticante, ele foi um importante elo de aproximação do candidato do PSL com parte da comunidade judaica de São Paulo.

A trama de relações de Catel se ampliou e, conduzida pela família Bolsonaro, ela se aproximou do grupo de generais do entorno do ex-capitão. A partir de meados de 2017, esse grupo passou a se reunir em Brasília para propor ideias para um futuro governo Bolsonaro. Os encontros ocorriam na casa do general Oswaldo Ferreira, que chegou a ser cotado para o Ministério da Infraestrutura. Todas as quartas-feiras, um especialista era convidado para discutir um tema específico. Catel foi chamada para debater comércio exterior. Filipe Martins participou das conversas sobre política internacional. E Metta falou sobre direito tributário, sua especialidade. Como a casa do general Ferreira começou a ficar pequena para o número de participantes, Catel tomou a iniciativa de alugar, às suas expensas, a sala de um hotel em Brasília. Por causa dessa aproximação com os militares, ela foi apelidada de “Leticia Quartel” por seus detratores.

A Agência Pública também tem feito um bom trabalho investigativo sobre essas redes de pessoas e perfis, explorando também o funcionamento operacional, com táticas que vão desde o uso de robôs e técnicas de análise de dados a linchamentos públicos virtuais

Boa parte do que ocorre já é sabido, ao menos desde quando o escândalo da Cambridge Analytica foi revelado, quando soube-se que a empresa britânica havia fraudado o referendo do Brexit por meio de propaganda virtual. O plano foi arquitetado principalmente pela equipe de Steve Bannon, pioneiro na guerra híbrida da informação com seu site de propaganda Breitbart, mas contou com especialistas em big data e cientistas de dado, aplicando uma metodologia científica similar ao que os analistas do facebook e google usam para desenvolver os seus produtos publicitários.

No Brasil, Alexandre Frota, ex-apoiador de Bolsonaro e atual desafeto, é um dos mais ferrenhos opositores à rede bolsonarista. Ao mesmo tempo que provoca o clã da familícia ao instigar a toda hora um impeachment contra seus membros, Frota nutre as redes sociais de informações retiradas das próprias redes bolsonaristas, graças a seus contatos nas redes sociais da direita. Um dos principais protagonistas da CPMI das Fake News no Congresso, ele conta sobre a empreitada em entrevista ao UOL:

O mesmo UOL fomenta um blog para compreender o bolsonarismo. Algo curioso pelo título, “Entendendo Bolsonaro”, mas ainda mais curioso pela ligação com o grupo Folha, que sofre ataques de todo o tipo do clã bolsonaro, em especial após a guerra declarada contra a jornalista Patrícia Campos Mello, a primeira a expor o vínculo financeiro de empresários com a rede bolsonarista de fake news e boataria pelo whatsapp, em pleno pleito eleitoral. A repercussão no momento foi boa, a ponto de se cogitar, por parte das instituições, a acusação de fraude nas eleições, mas não foi intensa o bastante para que ela saísse do círculo da esquerda e alcançasse algum resultado, mesmo tendo sido apresentado provas contundentes dos contratos e recibos da campanha realizada à margem da lei eleitoral.

Outra importante contribuição da direita no congresso veio de Joice Hasselmann, também antiga aliada e atual desafeto. A ex-líder do governo reuniu tudo que sabia e elaborou um elucidativo powerpoint (galeria abaixo) apresentado na CPMI. Nele, fica evidente uma série de indivíduos e seu papel na organização da agitação bolsonarista, com destaque para Eduardo Bolsonaro, um grande hub e ativador dos ataques informacionais, e Carlos Bolsonaro, o já conhecido pavão misterioso do gabinete do ódio, o já sabido detentor da senha do perfil do pai no twitter. Salta à vista, no entanto, perfis de pessoas sem cargo no governo ou em anonimato que passam despercebidos aos olhos da sociedade e da esquerda, muito deles com uma estética confusa, capaz de enganar os mais desatentos e atrair os incautos.

Bob Fernandes, jornalista e comentarista político veterano, reuniu em dossiês (dossiê 1 e dossiê 2) prints e informações de grupos de bolsonaristas organizados no Facebook e no Whatsapp.

Algo semelhante já havia sido feito por outros militantes e jornalistas investigativos, o mais recente sendo a exposição revelada por Jessica Almeida, que se infiltrou no grupo de whatsapp dos neofascistas acampados em frente ao planalto. Em um conjunto de tweets ela relatou sobre o que os auto-denominados “300 de Bolsonaro” conversavam, quais eram suas intenções, o que cogitavam fazer, como se enxergavam e os propósitos autoritários e paramilicianos do grupo extremista, capitaneado pela já conhecida neonazista Sara Winter.

https://twitter.com/jsscdealmeida/status/1257104595379200000

Ainda que esse processo de exposição das redes não-espontâneas do bolsonarismo seja um pouco lento, ele vem avançando. O Brasil não está sozinho nesse cenário, a reação da sociedade às investidas da extrema-direita no restante do mundo também tardou, mas começa a despontar. Grupos como o Sleeping Giants focam na exposição comercial dos sites da extrema-direita, enquanto cientistas do mundo inteiro se unem em campanhas de valorização da ciência e da verdade em meio à pandemia de Covid-19 e desinformação. 

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