Hoje na História: García Lorca era fuzilado declamando seu último poema

Via DW

No dia 19 de agosto de 1936, o poeta espanhol Federico García Lorca foi fuzilado à queima-roupa por fascistas espanhóis. Marcando uma das cenas mais horripilantes da história.

Federico García Lorca foi um dos maiores poetas espanhóis do século XX, mas foi também um incansável pesquisador da cultura de seu povo e um divulgador do teatro popular e um ativista por demais interessante. Inteiramente avesso a qualquer tipo de violência física, Lorca dedicou seu fervor republicano a um ativismo cultural itinerante. Uma parte considerável de seus poemas e obras teatrais dialoga diretamente com as tradições de crítica e contestação populares e desnuda uma Espanha violenta, ignorante e fratricida, permeada por uma religiosidade opressora e uma classe dominante despótica.

Acima de tudo, fascinava o poeta o período dos mouros, que deixaram na cidade a Alhambra, uma das edificações mais preciosas da história da arquitetura. “Ele se considerava um herdeiro de Boabdil, um dos últimos governantes mouros da cidade”, diz Luís García Montero, conhecido poeta e professor de Literatura de Granada.

Apesar disso, a relação de Lorca com a cidade era ambígua. “Ele se sentia muito bem aqui, onde morava sua família. Naquela época Granada era um centro cultural muito importante, mas Lorca temia também os defeitos da cidade”, diz García Montero. Lorca desprezava a classe alta reacionária de Granada.

Em julho de 1936, na última entrevista que concedeu, publicada pelo jornal El Sol, ele dizia que

“Na cidade vivia a pior burguesia de toda a Espanha”.

Essa declaração causou a ira dos fascistas locais, uma vez que Lorca já era então odiado por seu entusiasmo pela república e por ser homossexual.

Lorca recebeu uma formação educacional exemplar. Ainda pequeno, já era notável sua aptidão para as artes. Ele era um orador eloquente, além de demonstrar habilidades para a pintura e a música. Depois de iniciar seus estudos de Direito, Filosofia e Letras em Granada, ele se mudou para Madri.

No lendário alojamento de estudantes – a Residencia de Estudiantes – conheceu os artistas mais importantes de seu tempo. Fez amizade com Salvador Dalí, Manuel de Falla e Rafael Alberti, com o poeta Antonio Machado, com Pablo Picasso e muitos outros.

Lorca pertence à chamada “geração dos poetas de 1927” (Aleixandre, Cernuda, Guillén, Salinas, Unamuno), que popularizou a lírica espanhola em todo o mundo. Em Madri, escreveu suas primeiras grandes obras literárias.

Em 1928, publicou o Romanceiro Cigano, seu trabalho de maior sucesso. Nos anos seguintes, Lorca passaria a ser conhecido como renovador do drama no país com a publicação de Mariana Pineda (1928), Bodas de Sangue (1933), Yerma (1934) e A Casa de Bernarda Alba (1933-1936).

Em 1929, fez uma viagem aos Estados Unidos, onde escreveu O Poeta de Nova York, um livro muito apreciado. No entanto, não se sentindo à vontade na metrópole agitada e barulhenta, optou por uma vida mais retirada em Cuba no ano de 1930, retornando a seguir à sua terra natal. A Espanha, naquele momento, vivenciava uma ruptura política. No dia 14 de abril de 1931, era proclamada a Segunda República.

Como diretor, viajou com o teatro ambulante La Barraca pelo interior do país, a fim de levar cultura e informação para o povo. Foii duramente perseguido por conta de sua homossexualidade. Sem ser filiado a qualquer partido, tinha amigos entre as duas correntes políticas da Espanha em meados dos anos 1930. E se posicionava claramente contra as relações feudais comuns na Granada da primeira metade do século 20.

Lorca assumia, acima de tudo, a defesa das mulheres. Com suas peças em prol da autoafirmação feminina, tocava no zeitgeist. Suas obras são dominadas por personagens femininas, que se voltam contra a moral vigente e são capazes de morrer por seus ideais.

A morte está presente em toda a sua obra. As últimas frases em A Casa de Bernarda Alba parecem o prenúncio sinistro da tragédia que estava por vir: “Nenhum lamento. É preciso olhar a morte de frente. Lágrimas, só quando você estiver sozinho! Todos nós mergulhamos num mar de lágrimas. Silêncio. Silêncio”.

Federico García Lorca foi fuzilado pela Espanha fascista no dia 19 de agosto de 1936, numa estrada nas proximidades de Viznar.

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