Uber terá que pagar salário mínimo e férias aos motoristas do Reino Unido

Via RFI

A Uber concederá a seus motoristas no Reino Unido direitos trabalhistas, como salário mínimo e férias remuneradas. A decisão inédita foi elogiada pelo governo e sindicatos. Economistas estimam que a medida pode servir de exemplo para outros países, mas chamam a atenção para a remuneração proposta, bem inferior à média de faturamento dos motoristas.

A decisão anunciada na noite de terça-feira (16), encerrou uma prolongada batalha legal entre a empresa do Vale do Silício e os motoristas no Reino Unido, que também terão direito a um fundo de pensão. A ideia é expandir esse modelo de contrato para outros mercados.

A plataforma agiu um mês após a derrota diante da Suprema Corte britânica, que decidiu, em 19 de fevereiro, que os motoristas poderão ser considerados “trabalhadores” e receber benefícios sociais.

O tribunal decidiu a favor de um grupo de cerca de 20 motoristas que reivindicaram essa condição pelo tempo que passam conectados ao aplicativo e pelo controle que a empresa exerce sobre eles, por exemplo, por meio de avaliações.

Trata-se de uma mudança profunda de postura da Uber, cujos motoristas eram até então autônomos. A empresa chegou a se tornar o emblema do modelo implementado pela chamada “economia gig”, criticado pelos sindicatos por alimentar a precariedade de seus prestadores de serviços.

A lei britânica distingue o estatuto de “trabalhadores” (workers), que podem receber um salário mínimo e outros benefícios, do estatuto de “funcionários” (employees) em sentido estrito, que têm um contrato de trabalho tradicional. A decisão do governo obriga Uber a reconhecer seus motoristas apenas como “trabalhadores”. Mesmo assim, os sindicatos veem a medida como um avanço importante.

“O anúncio da Uber deve marcar o fim dos falsos autônomos”, disse Mick Rix, chefe do sindicato GMB. Esta decisão “abre as portas para os trabalhadores e seus sindicatos ganharem a luta por melhores salários e condições nas empresas da economia ‘gig'”, acrescentou.

Mas a secretária-geral da organização sindical britânica Trades Union Congress (TUC), Frances O’Grady, pediu às plataformas tecnológicas que façam mais esforços. “Pressionaremos com força para que Uber e outras plataformas reconheçam os sindicatos e deem aos funcionários uma voz adequada no trabalho”. Esses trabalhadores “merecem os mesmos direitos básicos que todos os demais. Os sindicatos não vão descansar até que os salários e as condições melhorem em toda economia ‘gig'”, enfatizou.

O ministro britânico das Empresas, Kwasi Kwarteng, declarou nesta quarta ao canal Sky News que a mudança da Uber é “absolutamente positiva”. “Sempre disse que a nova fase de nossa economia deveria consistir em proteger os direitos dos trabalhadores, pressionando por padrões mais elevados e por novas tecnologias”, acrescentou.

Salário abaixo da média

No entanto, há quem conteste a decisão, alegando que a justiça deveria ter imposto uma remuneração mais elevada.

A partir de agora, os motoristas de Uber no Reino Unido receberão pelo menos o salário mínimo, que é de 8,72 libras (cerca de R$ 68) por hora no país. Os ganhos devem subir para 8,91 libras em abril. Porém, um motorista de Uber recebe em média, mais do que isso: 17 libras por hora em Londres e 14 libras por hora no resto do país.

“Nesse sentido, essa decisão acaba sendo mais interessante para a Uber do que para os motoristas”, avalia e em entrevista à RFI o economista Christophe Benavent, professor da Universidade Paris Nord e especialista sobre o tema. Segundo ele, a empresa deu um passo importante, que pode “servir de laboratório” para o resto do mundo. Porém, financeiramente a medida não é tão interessante. Sem contar que, com essa denominação, (worker), os motoristas continuam sem contrato.

“Outra coisa importante, que ainda não ficou claro, é saber se todos os motoristas terão o mesmos direitos ou se eles valerão apenas para aqueles que trabalham de forma intensa com Uber”, insiste o economista. “Pois devemos lembrar que o tempo de trabalho varia muito. Tem gente que faz isso apenas algumas horas por semana, em complemento de renda, enquanto há outros que fazem isso em tempo integral, ou ainda aqueles que trabalham para diferentes aplicativos. Então vai ser interessante ver como essa nova regra será implementada”.

Uber em busca de legitimidade

A Uber não especificou o custo da implementação dessas medidas, mas estes valores, que devem ser consideráveis, pesarão um pouco mais nas frágeis finanças de uma empresa que ainda não é lucrativa e atravessa um momento ruim devido às restrições contra a pandemia. A plataforma terá que absorver parte dos custos, pois dificilmente poderá se permitir um aumento de suas tarifas, principalmente em Londres, onde a concorrência é acirrada.

Mas, ao tomar a decisão, a empresa evita longos processos nos tribunais britânicos, pois a decisão da Suprema Corte permitiria que os motoristas acionassem a justiça para obter os direitos que a Uber acaba de conceder-lhes.

Além disso, a medida melhora a imagem da empresa que vive, como outras do ramo de aplicativos de transporte ou de delivery, uma batalha em vários países sobre questão da precariedade de seus prestadores. “Uber busca legitimidade. E essa medida é uma tentativa de aumentar a legitimidade da empresa em alguns países”, resuma Christophe Benavent.

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