POR UM BALANÇO OTIMISTA DE 2018: OS HORIZONTES DA DISPUTA

Luã Reis – O fim de 2018 parece anunciar uma meia noite, que se vislumbra sem fim. A sensação é que será uma longa noite de tormentas. O ano que passou teria sido o próprio prenúncio das trevas vindouras. No entanto, pelo mundo se abriram novos horizontes, que as nuvens que pairam por aqui talvez não permitam observar.

Se a extrema-direita, a serviço do império, colocou as patas sobre algumas nações da América do Sul como o Brasil, a Colômbia, o Peru e o Paraguai não o conseguiu onde há muito queria: a Venezuela e a Bolívia, além do Uruguai, com todas as contradições, permanecem de pé. Em Cuba, Diaz-Cañel, a quem os jornais saudavam como possível traidor da Revolução por conta do gosto por rock, se mostrou um legítimo sucessor do legado revolucionário de Fidel e Che. Mostrando no twitter também que Beatles e Rolling Stones estão muito mais afinados com a Revolução do que gostariam os jornalistas. A Nicarágua, também repleta de profundas contradições, não se tornou palco de uma novo golpe direitista, não se tornou uma nova Honduras. O desespero do povo hondurenho, aliás, a primeira vítima da leva de golpes na América Latina, marchando pelo continente é a prova em movimento do fracasso social da política golpista.

Nas portas do império, Lopez Obrador tem tudo, inclusive certa relutância, para transformar o México em exemplo para as lutas populares: que o petróleo seja do povo mexicano e que as escolas não sejam campos de concentração, foi o que expressou a votação amplamente majoritária e popular.

Até no coração da besta-fera imperialista, da onde se afiam as garras da extrema-direita, raios de sol arejam: “socialismo” cada vez mais deixa de ser palavrão nos Estados Unidos. Uma leva de jovens e empoderadas socialistas democratas afirmam as lutas das ruas, conduzindo os anseios populares e da juventude a outra patamar. 2018 mostrou que há uma Nova York de Trump e outra de Alexandra Ocasio-Cortez, deputada que afirma que o problema da China é a falta de maoísmo..

Nos dois outros sócios minoritários da banca financeira e bélica se vislumbra uma alvorada. Na França, os coletes amarelos reluzem. O presidente dos banqueiros, artificial, uma fabricação eleitoral, foi “temerizado” pelo movimento social. A extrema-direita não conseguiu se apoderar do protesto, pois ele é reivindicatório, com causas explicitamente sociais que são a antítese do neoliberalismo, que os novos fascistas dizem combater. Le Pen, por sua vez, só pode defender a V República que povo quer guilhotinar. No Reino Unido, o Brexit que parecia a vitória da extrema-direita se provou o caminho para a saída não só da Europa, mas também do predomínio do Partido Conservador. O Partido Trabalhista, comandado pelo marxista Jereym Corbyn, lidera todas as pesquisas para as próximas eleições. Dos grandes partidos europeus é o mais à esquerda, evidenciado pela palavra de ordem: “para muitos, não para os poucos”. Na vizinha católica, a Irlanda, nem todos os bispos e padres impediram a vitória das pautas progressista em referendos: os gays podem se casar e as mulheres podem decidir sobre os corpos.

Por todo o velho continente, é verdade, as forças do atraso se organizaram com sucesso: conquistaram o governo, ou participação em uma coalização, na Itália, na Áustria, na Suécia, na Suíça, além de onde já mandavam como na Hungria e na Polônia. Os latidos dos cães fascistóides também se ouvem, após décadas de silêncio, na Espanha e na Alemanha. Mas também se organizaram forças da resistência, em lugares inesperados, como no próprio partido Social Democrata Alemão, o qual a base empurra para a esquerda.

No leste europeu, as bases da OTAN pipocam por países outrora soviéticos na mesma medida que a qualidade de vida da população deteriorou. Até quando a retórica anti-Rússia será desculpa para miséria do povo? O presidente golpista da Ucrânia militariza metade do país para tentar aumentar a popularidade que toda violência dos grupos fascistas não conseguiu. Mesmo na Hungria, em 2018, não adiantou mais para Orban a demagogia de perseguir ciganos e enjaular refugiados para esconder uma reforma trabalhista contra os trabalhadores.

Mesmo na Rússia, a verdadeira vencedora da Copa de 2018, o povo disse um sonoro não a reforma da providência de Putin. Ao mesmo tempo, que apresentação do conjunto de novos armamentos servem como dissuasão às investidas imperiais dos EUA, e os vassalos europeus da OTAN. Não só protegendo o território russo, mas os aliados como evidenciou o passeio de caças de última geração até a Venezuela.

Na África os governos nacionalistas se afirmam diante dos interesses imperiais. Ao sul, o impeachment do presidente sul-africano que parecia um movimento reacionário se revelou a vitória da ala esquerda do Congresso Nacional Africano. Já está marcado o acerto de contas com os latifundiários brancos. Etiópia e Eritreia, esteios da monumental civilização etíope, tenta fazer a paz depois de décadas, anunciando o fim dos conflitos na parte oriental do continente que se desenvolve pela via chinesa da globalização. A medida que se desenvolve se aprofunda no continente o jogo geopolítico, envolvendo potências mundiais e regionais. Ao norte, pairou o espectro das mobilizações populares que abalaram a década e ameaçaram se repetir do Marrocos ao Egito.

Na Ásia, maior massa de terra com a maior parte da humanidade, que 2018 representou uma série de derrotas para o império e seus representantes. Ao sudeste do continente, a vitória do povo da Síria contra a enorme agressão imperialista, envolvendo dezenas de países e uma galáxia de grupos extremistas, é incomensurável. O reconhecimento da vitória da Síria pelo Conselho de Segurança da ONU e a retirada – ainda suposta – das tropas dos EUA do país deu a noção do desastre imperial: não foi só a vitória da Síria, mas também da Rússia, do Irã, do Iraque, do Líbano e do Hezbollah. Nas eleições libaneses, o Hezbollah foi justamente consagrado. Enquanto no Iraque avançaram os nacionalistas contra os EUA em aliança com o Partido Comunista Iraquiano. As posições de Israel, dos Emirados e da Arábia Saudita, ao contrário, se enfraqueceram enormemente: Netanyahu – agora Primeiro Ministro, Ministro da Saúde, Ministro das Relações Exteriores e Ministro da Defesa, praticamente o Fuher do sionismo – viu sua posição de ataque contra os vizinhos enfraquecida, enquanto é acossado por denúncias de falcatruas variadas. Nem todo dinheiro de Mohamed Bin Salman, aceito de bom grado pela imprensa mundial, limpa a barra da monarquia assassina saudita: do massacre do ônibus escolar de crianças iemenitas ao esquartejamento no consulado em Istambul nada seria possível sem o consentimento das democracias ocidentais. Mesmo assim, a Revolução do Iêmem triunfa, em outra derrota monumental do Império.

No inicio de 2018, parecia que uma primavera varreria o regime iraniano, ao fim do ano as potências ocidentais tem que se desculpar pelo comportamento americano. Pela estepes novos governos independentes se alinham para tentar romper as antigas correntes, como Imran Khan no Paquistão, desejando aprender com a China e pacificar com os vizinhos rivais indianos. Da mesma forma, quer o Afeganistão se libertar da maldição americana achando o caminho da paz através dos seus vizinhos. Todos na Ásia Central devidamente conectados pela Rota da Seda – Um cinturão, uma estrada – lideradas pelo cada vez mais líder Xi Jinping.

Do leste da Ásia que veio o melhor sinal de 2018: o que há um par de anos parecia impensável começou a se anunciar, a reconciliação coreana. Não só competindo nas Olimpíadas de PyeongChang mas reconectando estradas e ferrovias. Kim Yo-Jong exibia diplomacia e elegância na abertura dos jogos enquanto Mike Pence exigia mais guerra e belicosidade entre as guerras, deixando evidente quem é o assassino sanguinário. A Coréia do Norte dobrou o império e suas máquinas de mentiras: bom lembrar que o Globo escreveu certa vez que Kim havia proibido o sarcasmo e instaurado um número fixo de corte de cabelos. Os coreanos de norte a sul querem paz, o fim da ocupação americana, o fim das armas nucleares na península e que o Japão acerte as contas com o que fizeram. O grandioso movimento feminista na Coréia do Sul exige o reconhecimento, as desculpas e o ressarcimento pelas atrocidades cometidas pelo Exército Imperial japonês. O movimento feminista sul-coreano varreu o conservadorismo no país, amplamente derrotado na eleições desse ano.

Toda polarização e acirramento das disputas pelo mundo obedece a queda dos lucros do grande capitalistas. 2018 foi o ano da sequencia de tombos das bolsas de valores. No horizonte também se anuncia uma nova crise – ou desdobramento de uma mesma, sem fim ? Os ataques do neoliberalismo, o avanço da extrema direita, a busca por alternativas radicais são sintomas de um momento crítico em escala global. Brasil, França, Haiti, Argentina e Jordania tiveram grandes protestos contra aumento do preço dos combustíveis; outros países vivenciaram grandes manifestações contra reformas da previdência e trabalhistas. Ataques globais, uma luta mundial, portanto.

2018 não foi o fim dos tempos. Em algumas partes, os horizontes se alargaram, em outros se estreitaram, há uma intensa luta, no entanto.

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