O gesto supremacista: Bolsonaro dá leite pro gado e joga a isca

Luã Reis- Na live semanal de ontem, quinta-feira, 28 de maio, Bolsonaro tomou um copo de leite. O líder da extrema-direita afirmou participar de um “desafio do leite” de produtores do Rio Grande do Sul, contudo não era um desafio massificado: ninguém desafiou Bolsonaro, nem ele desafiou alguém. Então esse gesto aparentemente simples tem outro significado: um simbolismo político e uma armadilha.

Beber leite se tornou um símbolo dos neonazistas na Europa e nos EUA.

O leite como símbolo de pureza racial parte da ideia supremacista de que os genes europeus e descendentes permitiriam maior tolerância à lactose, em comparação às “raças inferiores menos propensas ao consumo do líquido dos mamíferos após a infância”. Com a ingestão de leite viria a força e a virilidade da raça branca como o leite.  

Os movimentos vegetarianos, associados à esquerda, que não consomem produtos de origem animal, entre eles o leite, deram um sentido político a pseudo teoria genética. O consumo de leite de soja, alternativa à lactose animal, produziria os fracos “SoyBoy”, comprovando assim essa visão neonazista sobre o leite: tomar a bebida dos mamíferos seria um ato tradicional de coragem dos “heróis do ocidente” em “um mundo em ruínas”. 

Perfis americanos do twitter utilizam o emoji do copo de leite para identificar a afiliação ao ideário de extrema-direita, como Richard Spencer e Milo Yiannopoulos. Alguns dos outros símbolos recorrentes são o sapo, em referência ao personagem sapo Pepo, a águia dos EUA, o palhaço, “it’s a clown world”, as bandeiras de regimes de extrema-direita com as da Ucrânia, Polônia, Israel e Hungria. Esses perfis atuam no twitter, mas se organizam em outros fóruns, como no 4chan e no Telegram.

Como não poderia deixar de ser, a extrema-direita brasileira segue bovinamente os americanos e europeus. Muitos perfis bolsonaristas, que mamam as tetas do Estado, utilizam esses símbolos nos perfis, inclusive um dos investigados pelo inquérito da fake News que se intitula “leitadas”, comemoraram o gole de leite de Bolsonaro. Outro investigado, com enorme alcance na base bolsonarista, ativa e radicalizada, Alan Terça, reproduziu o gesto bolsonarista na transmissão de hoje dizendo “entendedores entenderão”.

O perfil “leitadas” inclusive faz referência no nome ao protagonista do filme “O Profissional”, no qual um assassino de aluguel demonstra seu “bom coração” tomando leite no decorrer da película. Outros personagens tomando leite são emblemáticos na história do cinema: o assassino de “Onde os Fracos não têm Vez” ou a gangue juvenil de “A Laranja Mecânica”. O exemplo mais recente, e mais significativo aqui, é do comandante nazista Coronel Hans Landa em “Bastardos Inglórios”. O vilão nazista, um trollador, bebe o leite produzido pelos fazendeiros que executa. A judia que escapou da morte pelo comandante nazista se arrepia quando ele pede o leite.

A sincronia do gesto, tomar o leitinho, com o momento em que militantes digitais são investigados por crimes, é um aceno óbvio para essa base. Mal comparando, seria como Lula colocar um boné da Petrobrás para defender os petroleiros diante de um ataque. No entanto, diferente de colocar um boné, o gesto bolsonarista é ambíguo. E aí reside uma armadilha.

A associação da bebida de Bolsonaro com os neonazistas foi denunciada por figuras de direita, como Danilo Gentili e membros do MBL, de centro, como Henry Bugalho, e pela esquerda, a Revista Fórum. Essas denúncias feitas no twitter foram respondidas justamente pela base que Bolsonaro acariciou: “vocês estão inventando”, “então os mascotes da Parmalat são nazistas kkkkk”. Assim, a denúncia passa a ser motivo de trollagem, o principal motor das mobilizações da extrema-direita. Gentili, a figura de maior destaque que apontou a relação, se viu obrigado a apagar a publicação após o ataque dos trolls bolsonarista. Gentili caiu na isca bolsonarista.

Se um veículo tradicional ou figura de maior destaque denunciasse o sentido nazista do gesto seria acusado de “fake news”, provavelmente desmentido por algum Bolsonaro mesmo. A imprensa seria desmoralizada por Bolsonaro. Não que eles não estejam sujeitos a erros nessa ação, pois a linha é tênue. Roberto Alvim, quando Secretário de Cultura, exagerou na dose ao reproduzir textualmente as frases do Ministro da Propaganda nazista, se mostrando pouco sagaz, incapaz de utilizar os símbolos corretamente, portanto expulso do governo e renegado pelo grupo bolsonazista.

O Coronel Nazista Landa sempre opta pelo leite ao invés do álcool. Roland Barthes em “Mitologias” afirma que tomar lei tem o sentido semiótico oposto ao do vinho, o leite “é uma clara associação da inocência de uma criança, um sinal de força, uma força que não é repulsiva, congestiva, calma, lúcido, o mesmo que a realidade”.

“Força” é a imagem central que o bolsonarismo quer passar para ameaçar e controlar a sociedade, “lúcidos” é como a tribo se vê, os “redpilados”, em referência ao filme Matrix, os únicos que vêem a realidade como ela é, isso tudo com o jeito Bolsonaro, imaturo, brincalhão e bobão.

Para não cair na armadilha da extrema-direita, portanto, deve-se lutar contra os sentidos que o bolsonarismo quer atribuir através desses símbolos e não contra os próprios símbolos. Deve-se desmascarar o significado que se esconde por trás desse signos, para não cair na isca que jogam. Eles se projetam fortes porque são fracos; se reivindicam lúcidos pois são histéricos; inventam uma realidade que não existe pois são incapazes de viver no mundo que existe; tomam leite não por serem puros, mas porque são gado.

Assim, eles, e não nós, chorarão pelo leite derramado.

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