A batalha por El Dorado: …e a verdade vos libertará! [final]
“a oportunidade que nós temos […] é passar as reformas infralegais de desregulamentação, simplificação […] ir passando a boiada ”
Michel Temer iniciou seu mandato anunciando a necessidade de medidas ‘impopulares’. Privatizações, reformas, austeridade econômica, e basicamente todo o programa rejeitado pela população na eleição de 2014, estavam de volta ao menu. Se alguém tinha dúvidas, agora estava óbvio que ele não estava lá para continuar o programa pelo qual foi eleito. Aumento do desemprego e da acumulação de renda alegravam a acionistas enquanto empobrecia a maior parte da população.
O golpe foi, sobretudo, um acordo: sem ganhar as eleições, o MDB subiu novamente a rampa do Palácio da Alvorada, trazendo o PSDB na mala. Mais ideológico que estratégico, o governo Temer tentou reinventar FHC e o neoliberalismo subserviente dos anos 90. O desmonte do Estado e de empresas brasileiras, promovido desde o início das investigações da Lava Jato, agora acelerava desimpedido, abrindo espaço para empresas norte-americanas e israelenses em setores de infraestrutura e segurança.
Recém-empossado, o ministro das Relações Exteriores, José Serra, voou para Argentina encontrar com Macri e discutir um ‘novo Mercosul’; em seguida, iniciou o processo de fechamento das embaixadas brasileiras em África e Caribe; a política externa encolheu e a participação brasileira no BRICS passou a ser de coadjuvante.
Para os povos indígenas o resultado foi o desastre anunciado: o governo registrou o pior desempenho em demarcação de terras desde a redemocratização. Temer chegou a oficializar o Parecer nº 001/2017 que tentava inviabilizar as demarcações por completo; subordinou a Funai (Fundação Nacional do Índio) ao ruralista Osmar Serraglio, nomeado Ministro da Justiça; cancelou terras já demarcadas; estudou arrendar territórios tradicionais e legalizar o garimpo.
A mineração é responsável por quase 10% do desmatamento registrado na Amazônia entre 2005 e 2015 e somada à indústria petroquímica formam o carro-chefe da retomada neoliberal do pós-golpe. Temer tentou abrir mais de 46 mil quilômetros quadrados entre o Pará e Amapá, maior que o território da Dinamarca, para extração de cobre em áreas protegidas e territórios indígenas.
Os bancos lucravam e os investidores europeus e estadunidenses estavam satisfeitos, por ora. Era imprescindível, no entanto, que ala progressista não revertesse o desmonte levado a cabo nesses dois anos. Um movimento mais ousado seria necessário para assegurar as eleições em 2018.
Os povos da floresta sabem bem: depois do trator, vem o gado
O Departamento de Justiça dos EUA, com sua franquia em Curitiba, foi a ponte para trazer Steve Bannon ao solo brasileiro. Ex-banqueiro e executivo de mídia, é o principal responsável pelo fenômeno midiático que marcou a campanha de Donald Trump. No Brasil, o cenário político brasileiro formava um mosaico que a ideologia de extrema-direita de Bannon costurou habilidosamente: a flagrante campanha midiática de criminalização das esquerdas, descrença e desinformação acerca das instituições democráticas, o fortalecimento das milícias e do crime organizado no Sudeste, concomitante ao agronegócio no Centro-Norte, a propaganda armamentista diluída no discurso de combate à violência através de repressão e mais violência.
Dissonância cognitiva e uma complexa rede de propaganda via Whatsapp elegeram Bolsonaro sem que o então candidato participasse de nenhum debate oficial. Enquanto uma continuação do golpe, a eleição marca uma nova etapa para o Brasil na balança de poder da guerra híbrida entre os EUA e o mundo multipolar.
Jair Bolsonaro eclodiu dessa longa gestação como o vilão perfeito. Cortando na carne fundos e investimentos destinados à educação, saúde, proteção social e preservação do meio ambiente. Bancos e fundos de investimento – como Blackstone, Vanguard, State Farm, BlackRock e State Street – somados a gigantes do ramo agropecuário – como Archer Daniels Midland (ADM) e Bunge – colhem frutos do bilionário investimento na retomada das riquezas brasileiras. O desmatamento teve um aumento de aproximadamente 220% segundo o INPE (Instituto Nacional de Pesquisa Espacial), antes de seus dados serem censurados pelo presidente.
Bolsonaro ampliou a privatização de setores estratégicos: de energia e infraestrutura à preservação do meio ambiente e segurança alimentar – contemplando ruralistas, especuladores, banqueiros e traficantes em detrimento dos milhões de brasileiros que votaram (ou não) por ele. A política de submissão ao império estadunidense extrapolou as bajulações diplomáticas e culminou na entrega do Centro Espacial de Alcântara, no Maranhão. Das nacionalistas forças armadas brasileiras, não houve contestação. Alinhadas à política imperialista do governo, nem mesmo a venda da estatal brasileira de aviação Embraer (Empresa Brasileira de Aviação) para a estadunidense Boeing gerou controvérsias.
Cortina de fumaça a céu aberto
No dia 10 de agosto de 2019, mais de 70 ruralistas e grileiros combinaram de incendiar simultaneamente as margens da BR 163 em Santarém através do WhatsApp. O ‘dia do fogo’ tinha o intuito de cobrar de Bolsonaro promessas defendidas durante sua campanha como a diminuição da fiscalização do Ibama (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Renováveis) e o ‘afrouxamento’ de leis ambientais, amplamente defendidas pelo então candidato. A fumaça chegou a cobrir o céu de São Paulo e a “manifestação” se tornou incidente internacional.
Um ofício do Ministério Público Federal de Santarém, no Pará, datado do dia 8 de Agosto, comprova o conhecimento prévio das autoridades jurídicas sobre o incêndio que assolou a Amazônia. O gerente executivo substituto do órgão, Roberto Victor Lacava e Silva, informou em resposta ao MPF que as ações de fiscalização foram impedidas por envolverem “risco às equipes em campo”. O Ibama teria solicitado ajuda da Força Nacional de Segurança mas foi ignorado pelo conivente ministro da Justiça, Sérgio Moro.
Divulgações posteriores revelaram um encontro entre oficiais do Governo Federal e do Estado do Pará que detalham planos de construção de ponte, usina hidrelétrica e estradas dentro de áreas atualmente ocupadas por reservas ambientais e indígenas. O objetivo seria de ‘integrar a área ao resto do território nacional’ e combater projetos internacionais de preservação ambiental.
O ‘Dia do Fogo’ foi uma das mais emblemáticas cortinas de fumaça durante o governo. Órgãos internacionais e até mesmo o presidente da França, Emannuel Macron, morderam a isca e reviveram o discurso sobre uma ‘gestão internacional da área’: nada podia servir melhor para fabricar consenso dentro do obtuso discurso nacional-populista de Bolsonaro. A ‘retomada’ da Amazônia pelo governo brasileiro é a bandeira pela qual indígenas, ribeirinhos, quilombolas e alguns milhares de espécies endêmicas irão sucumbir em função do desenvolvimento do capital internacional.
Narcoestado e milícia: a rota do tráfico Amazônico
Com as privatizações a pleno vapor, os olhos se voltam à Eletrobrás e à usina de Itaipu: além da imensa capacidade energética da usina, o lago da barragem – na fronteira entre Brasil e Paraguai – é um local estratégico no tráfico internacional de drogas. A empresa israelense ELBIT, gigante da fabricação de drones, comprou o setor da Odebrecht de tecnologia de defesa e atuará na região fornecendo drones e sistemas de comunicação.
Uma reflexão rápida sobre o papel do deep state estadunidense no narcotráfico latino-americano, o lobby armamentista internacional, a política externa e as empresas de segurança israelenses e a política entreguista de um presidente claramente envolvido com a milícia, desenham um quadro bem explícito das forças envolvidas no processo de recolonização da Amazônia em rigor.
“Ocupar para não entregar”
Abusando da retórica trumpista, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, exime o governo federal de qualquer responsabilidade mesmo com o aumento de 64% (comparação de abril de 2020 e o mesmo período do ano anterior) no desmatamento ilegal da floresta, divulgado pelo INPE. As gestões anteriores, em conjunto com a pandemia do Covid-19, dificultam as ações de fiscalização, segundo ele. Enquanto isso, a política de preservação do governo se resume a demitir fiscais, anistiar desmatadores, censurar e militarizar a região.
Enquanto a mídia se ocupa da pandemia, o ministro sugeriu que o governo se servisse disso para modificarem “todo o regramento” através de “reformas infralegais”. Uma nova operação de Garantia da Lei e da Ordem foi anunciada pelo vice-presidente Hamilton Mourão para combater o desmatamento da Amazônia. A “Operação Verde Brasil 2” instaura que servidores do Ibama se reportem a oficiais militares sobre ações de fiscalização.
A Comissão Pastoral da Terra divulgou que para cada quatro conflitos agrários diários registrado no Brasil em 2018, houveram cinco em 2019. Não há expectativa de melhora para esse ano, pelo contrário. A maioria desses conflitos envolvem terras na Amazônia, atingindo mais de 100 mil famílias de indígenas, camponeses e seringueiros. Para além dos mais de 9 mil indígenas contaminados pela pandemia do Covid, a política governamental só corrobora o genocídio, a ocupação e exploração ilegal de terras e recursos. O governo Bolsonaro já bate recorde nos assassinatos de indígenas e não há indicativo de mudança no horizonte.
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